Terceiro governo Lula é mais plural
Foto: Ton Molina/AP
Dos cinco ministros anunciados na sexta-feira, apenas dois são do PT, e olhe lá. Fernando Haddad (Fazenda) é o “mais tucano” dos petistas e Rui Costa (Casa Civil), o mais privatizante. Se o presidente eleito quer demonstrar que o Lula III será tão diferente dos dois anteriores quanto o Brasil o é daquele de 2002, ofereceu seu “núcleo duro” como aperitivo.
Foi no Lula I que a expressão se popularizou. Confundia-se com o próprio partido que o compunha. O coração do governo era também o “núcleo duro do PT”: José Dirceu, Antonio Palocci, Luiz Gushiken, Luiz Dulci e Gilberto Carvalho. Só José Genoino permaneceu fora do governo. Assim como Gleisi Hoffmann, ficou com o partido. Do “núcleo duro” de 2002, só Carvalho teve atuação próxima de Lula na campanha deste ano, mas não comporá o coração do governo.
O jogo que se seguiu ao anúncio dos cinco primeiros ministros foi quase uma alegoria desta eleição. O que se assistiu em outubro foi uma disputa tão parelha que pode se dizer que Lula, ao contrário de Tite, resolveu a parada na prorrogação, com gols contra de Carla Zambelli, Roberto Jefferson e dos milicianos de Paraisópolis. Daí porque este “núcleo duro” é tão distinto daquele de 2002.
Flavio Dino (Justiça) e José Múcio (Defesa) têm em comum, além da confiança do presidente, a missão de apaziguar terrenos pantanosos e Mauro Vieira, de azeitar o Itamaraty para a diplomacia presidencial pretendida por Lula. Vieira não é um formulador de política externa, mas podia começar com uma despedida de Zagreb, onde é embaixador, diferente da disparada de Tite para os vestiários sem cumprimentar jogadores, torcida ou a equipe da Croácia.
Dino costuma recorrer a Lênin para definir a necessidade de resguardar a paz nas fronteiras para garantir vantagem nos embates internos. Contrariando Trotsky, o líder da revolução russa defendeu e levou a frente a paz com a Alemanha no tratado de Brest-Litovsky.
A abordagem sugere que a resiliência do bolsonarismo é tamanha na sociedade que um ministro da Fazenda ao qual o mercado resista é uma má ideia. Mas Haddad também é um estudioso da era soviética e as primeiras sondagens para as secretarias da Fazenda, Bernard Appy e Marco Bonomo, sugerem que ele não vai tratar a questão fiscal com o descuido que o mercado teme.
Respaldo não lhe faltará. Lula sinalizou que Haddad terá liberdade para compor não apenas sua equipe como a de uma pasta afim, o Planejamento, onde disse que o titular será afinado com o da Fazenda. Sugeriu que não seguirá a fórmula gasta de perfis que alimentam divergências e rivalidades, como Malan/Serra ou Palocci/ Mantega.
Caberá, em grande parte, a Dino cuidar das fronteiras pacificadas de que Haddad precisará para convencer a Câmara dos Deputados da licença para gastar contida na PEC da Transição e o mercado, da confiança para cortar. Juiz de carreira, Dino será o principal mediador, no governo Lula, das rédeas com as quais o Judiciário cuidará de Bolsonaro. Nem tão apertadas que o martirize frente ao seu eleitorado, nem tão frouxas que permita sobrevida ao obscurantismo.
Ele já indicou que a mesma linha tênue terá que ser traçada na política armamentista. Se sair fechando os CACs vai provocar uma rebelião. Mas poderá desarmar o país, paulatinamente, com a revogação dos decretos que promoveram o liberou-geral.
A escolha do diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, o único cargo de segundo escalão anunciado na sexta-feira depois de consulta, ao vivo, a Lula, foi um exemplo disso. O presidente eleito vinha sendo pressionado a tirar a fatia da segurança pública do MJ e criar outra Pasta. “Vizinho” de Dino, e, como ele, ex-governador e senador eleito, Wellington Dias (PT-PI) foi o porta-voz mais graúdo da pressão.
Apesar de anunciado como um nome com experiência na Amazônia e na relação com Estados e municípios, estreitadas durante a Copa do Mundo, o novo diretor-geral da PF chefiou a segurança de Lula na campanha por indicação da ex-presidente Dilma Rousseff. Outro aceno, este do presidente eleito, para apaziguar internamente o governo frente aos poderes de Dino, foi a afirmação de que, depois de dois anos durante os quais o futuro ministro vai colocar ordem na casa, a criação da Pasta da Segurança Pública será analisada.
É uma missão igualmente espinhosa a que aguarda Múcio na Defesa, onde há outros flancos desguarnecidos do Lula III. É extremamente conciliador, mas tem contra si a falta de intimidade com o tema e com as vicissitudes do meio, escancarada com o deslize de sua primeira entrevista. À Globonews, Múcio chamou o quartel general do Exército, em Brasília, de “forte apache”, denominação que os militares detestam.
Pode se valer de sua intimidade com o TCU, que presidiu, para driblar os pepinos acumulados pelo avanço dos militares no governo, mas não terá como impedir a desmilitarização da administração federal. Conta com um conselheiro oculto que é o ex-ministro Aldo Rebelo, mas as ameaças à hierarquia e à disciplina podem não ser contidas pelo espírito conciliador. É o ministro que terá o desafio mais imediato com a ameaça de saída do comandante do Exército, general Freire Gomes, antes da posse de Lula.
E, finalmente, o quinto integrante, o governador Rui Costa, é o primeiro representante do PT do Nordeste no “núcleo duro” de um governo do partido que tem colhido, na região, seu melhor desempenho há sucessivas eleições.
Ao ser anunciado por Lula foi comparado à ex-presidente Dilma Rousseff, que ocupou o cargo antes de se candidatar em 2014. Lula quis ressaltar o perfil de gestor do ex-governador baiano. Costa, no entanto, não poderia ser mais diferente de Dilma no que diz respeito, por exemplo, à sua relação com o setor privado com o qual Dilma sempre cultivou desconfianças. Na Bahia, comandou o governo petista que realizou o maior número de parcerias público-privadas, inclusive com investidores estrangeiros. Se o perfil ajudará um governo sem capacidade fiscal de aumentar substancialmente o investimento público, não o impedirá, por outro lado, de atuar na política. Tem o desafio de estabelecer um novo paradigma nas relações entre o público e o privado cujos desatinos, em outros tempos, custou caro ao PT.