Haddad tem o que mostrar na economia

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Foto: Luiz Ushirobira/Valor

Embora seus apoiadores costumem citar as ciclovias e as faixas exclusivas de ônibus como as principais marcas da administração Fernando Haddad (PT) no comando da Prefeitura de São Paulo, entre 2013 e 2016, foi no campo das finanças públicas, arena bem menos visível, que sua gestão produziu impacto mais relevante. O principal feito foi a renegociação da dívida do município.

Haddad venceu a eleição de 2012 alavancado na popularidade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, agora novamente presidente eleito, e da então presidente Dilma Rousseff. Como todos eram do PT, pairava uma expectativa de parceria e entrosamento para beneficiar o município.

A ideia de ajuda do governo Dilma, porém, foi frustrada já nas primeiras semanas após a posse. Com o objetivo de evitar um pico inflacionário, o então ministro da Fazenda, Guido Mantega, pediu a Haddad o adiamento do reajuste da tarifa dos ônibus sinalizando que era a prefeitura quem deveria socorrer o governo federal.

O reajuste, que sempre ocorria em janeiro, foi adiado por seis meses. E foi o atendimento dessa solicitação que serviu de estopim para as manifestações de junho de 2013, que comprometeram a imagem de Haddad e criaram ambiente para manifestações contra Dilma e o PT em 2015 e 2016.

Em junho, com os protestos, Haddad foi obrigado a cancelar o aumento de R$ 0,20 sobre a tarifa de R$ 3,00, o que fez com que a prefeitura aumentasse o subsídio para o transporte urbano. A situação fiscal de São Paulo piorou quando Haddad teve frustrado os planos de ganhar receita por aumentos de tributo. A Justiça, naquele ano, barrou o reajuste do IPTU.

Haddad é lembrado também pela criação da Controladoria-Geral do Município (GCM), repartição que desmantelou um esquema de propina em obras e que havia dado prejuízo estimado superior a R$ 500 milhões ao município nas gestões anteriores.

Foi em seu último ano de mandato na prefeitura, após longa negociação, que Haddad conseguiu anunciar a mudança no indexador da dívida com a União.

Com a renegociação, o saldo devedor do município caiu 63%, de R$ 74 bilhões para R$ 27,5 bilhões. Isso possibilitou uma redução de quase R$ 200 milhões na parcela mensal que a cidade pagava ao governo federal, além de permitir que a cidade voltasse a fazer empréstimos para investir em obras.

A obtenção de todos esses ganhos foi produto de uma ação judicial proposta por Haddad em face da União, pedindo validação de uma renegociação de 2015 com cálculos favoráveis à prefeitura e que não vinha sendo aplicada pelo credor. O desfecho foi um acordo judicial entre as partes.

Ao falar do período, Haddad sempre ressalta como evento-símbolo de sua gestão financeira a obtenção do grau de investimento pelo município concedido por agências de classificação de risco.

Isso foi possível porque, apesar de aumentos ao funcionalismo acima da inflação, o gasto com pessoal na cidade manteve-se na faixa próxima a 40% da receita. É um patamar abaixo dos 60% permitidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal e da prática seguida por vários Estados e municípios.

O acordo não foi suficiente para Haddad recuperar sua taxa de aprovação – ainda mais por ter sido concluído no último ano de mandato, sem mais tempo para permitir a conclusão do pacote de investimentos prometido. A renegociação beneficiou o sucessor, João Doria, então filiado ao PSDB.

Para Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, a renegociação foi, de fato, positiva para São Paulo, mas o retrospecto “não dá sinais claros” do que vai acontecer na esfera federal pela diferença de instrumentos e questões que o novo ministro terá que lidar.

“Haddad conseguiu esse resultado positivo e ele tinha uma equipe, especialmente na figura do Marcos Cruz [então secretário de Finanças], muito competente para lidar com essa revisão. Mas no governo federal não há renegociação de dívida para fazer e depender do ajuste fiscal baseado em microgerenciamento do gasto também não será suficiente”, afirma.

Para Vale, a dúvida que existe em relação à futura gestão Haddad é que o que foi feito em São Paulo ou não se aplica ou é insuficiente no caso federal. “Os ajustes precisam ser mais severos na estrutura de gastos através, por exemplo, de uma ampla reforma administrativa e uma regra fiscal que contemple alguma restrição de gastos.”

Murilo Viana, consultor sênior da Go Associados, observa que a renegociação com a União beneficiou a capital tanto pela queda do estoque quanto pela mudança do indexador. “Essa mudança abriu caminho para o município ter fôlego para realizar investimentos nos anos seguintes e também para poder captar recursos, porque melhorou o perfil de risco.”

Em relação ao possível perfil de Haddad à frente da Fazenda, Viana afirma que o ex-prefeito é considerado talvez o “mais tucano dos petistas” e que isso deve ser positivo do ponto de vista do governo. “Acaba facilitando a composição da chamada frente ampla. Acredito que é um nome que vai conseguir fazer essa ponte entre diferentes alas.” O economista pondera, no entanto, que a Fazenda não opera sozinha a política econômica e que é preciso aguardar futuras nomeações.

Valor Econômico