Lula diz que críticas o ajudam
Foto: Evaristo Sá/AFP
Uma das declarações mais emblemáticas de Luiz Inácio Lula da Silva desde a vitória foi feita na última quinta-feira, durante a apresentação do relatório da transição sobre o cenário que o presidente eleito encontrará após subir a rampa do Palácio do Planalto.
“Eu sei que vocês vão continuar nos ajudando, cobrando”, disse ele à plateia formada por aliados políticos, integrantes da equipe de transição e jornalistas. “Isso é importante, não deixem de cobrar. Se vocês não cobram, a gente pensa que tá acertando, e muitas vezes a gente tá errando e continua errando porque as pessoas não reclamam.”
Não chega a ser uma fala surpreendente para quem já disse outras vezes que este seria um governo de composição, de frente ampla, para além do PT. É, aliás, o esperado de quem se elegeu prometendo fortalecer as instituições democráticas, tão solapadas no último governo.
Mas nem por isso deixa de ser importante, por demonstrar que Lula entende — ou pelo menos diz que entende — as circunstâncias que o levaram de volta a Brasília para um inédito terceiro mandato.
Apesar do que dizem muitos petistas, a vitória em outubro não foi o triunfo de uma visão de mundo à esquerda ou a redenção de uma vítima da perseguição do sistema judicial. Foi, isso sim, fruto do repúdio contundente da maioria dos brasileiros ao negacionismo e à destruição sistemática das instituições promovida pelo bolsonarismo.
Mesmo com o passivo de corrupção sistêmica e da condução ruinosa da economia promovida nos últimos anos do PT no governo, os eleitores deram a Lula um novo crédito, em nome da reconstrução da nossa democracia e de políticas sociais desmanteladas no atual mandato.
Tal constatação em nada diminui o tamanho da vitória, mas dá a medida dos desafios que esperam o presidente eleito.
Enquanto Lula se prepara para subir a rampa, uma parcela da população ainda torce ou trabalha por um golpe militar, insurreição ou ataque terrorista que o impeça de assumir o poder. Os radicais estão a toda, e o Brasil infestado de gente armada e disposta a causar tumulto.
Investigar os criminosos e coibir as ameaças usando todos os instrumentos legais disponíveis é o mínimo que se espera. Mas a tarefa de pacificar o país vai além. Passa por desidratar o radicalismo do discurso político e restabelecer como normal o diálogo e a divergência democrática respeitosa.
Por isso o pedido de Lula por cobrança é tão relevante quanto necessário. Empavonados pela volta ao poder, petistas e lulistas radicais já vêm tentando reeditar o argumento, tão repetido na campanha, segundo o qual, “se criticar o Lula, o Bolsonaro ganha”. Agora o bordão está sendo adaptado por algo na linha “se criticar o Lula, o Bolsonaro volta”.
Por essa lógica, a única postura construtiva para a democracia é achar bom tudo o que faz o líder petista. Há até quem aposte na falsa simetria de comparar os críticos aos próprios terroristas que armam bombas para explodir aeroportos, já que ambos “querem acabar com o Lula”.
Sempre haverá quem aceite se submeter a esse tipo de patrulha, mas o silêncio ou a omissão em nada ajudarão a fortalecer a democracia, muito menos contribuirão para o sucesso de qualquer governo. O fato concreto é que Lula está eleito e, como ele mesmo tem dito, é ele quem manda.
Portanto quem pode reavivar o bolsonarismo com suas ações não são os jornalistas cumprindo seu dever de fiscalizar o poder e de fazer perguntas, nem os críticos que tentam alertar sobre eventuais erros ou omissões.
O que pode trazer Bolsonaro de volta é um governo ruim, que faça barbeiragens demais na economia — ou que atire no colo dos adversários os eleitores que, apesar de relutantes, deram ao petista o crédito de mais um mandato.
Fomentar a intolerância para silenciar os críticos em nome de uma pretensa normalidade democrática não é apenas um gesto autoritário, mas também politicamente suicida. É o espaço para o debate e a crítica que garante a saúde e a sobrevida de uma democracia. Quanto mais cobranças e críticas Lula sofrer, mais chances terá de acertar.