Governador do Acre e suspeito de receber propina
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Mensagens em posse da Polícia Federal apontam que um suposto esquema de corrupção no Governo do Acre chegava a cobrar propina de empresas de 12% do valor de obras conquistadas com o poder público.
O material consta na documentação que embasou a 3ª fase da Operação Ptolomeu, deflagrada no último dia 9 e que mirou o governador Gladson Cameli (PP). Ele teve contra si uma ordem para entrega do passaporte e sequestro de bens expedida pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça).
Como mostrou a Folha, Cameli é suspeito de participar do esquema de desvios de recursos públicos e de lavar parte dos valores com carros de luxo, imóveis, aviões e gastos milionários no cartão de crédito.
A defesa do governador afirmou que ele “não cometeu qualquer ilegalidade e o inquérito servirá para comprovar sua inocência, deixando claro que sua gestão sempre foi pautada pela ética e eficiência”.
“Desde o início do inquérito, o governador já prestou os devidos esclarecimentos, colocou-se à disposição das autoridades e assim permanece”, diz a nota assinada pelos advogados Ticiano Figueiredo, Pedro Ivo Velloso, Tarcísio Vieira de Carvalho Neto e Telson Ferreira.
Nas conversas, em texto e áudio, funcionários de empresas com contratos no governo falam abertamente do pagamento de contrapartidas para serem contratadas.
Em uma sequência de mensagens no início de 2021, por exemplo, um interlocutor de nome Diego, segundo a PF integrante dos quadros de uma empresa, fala sobre o pedido de pagamento de propina por parte de um assessor de Cameli para conquistar o contrato de construção de um prédio para a Secretaria Estadual de Meio Ambiente.
“Mas é isso, só vou pedir duas coisas para vocês, para essa parceria nossa dar certo e não ficar igual às outras duas que eu não tô gostando, aceitem esses 12% no pagamento —vocês vão lá e depositam. E outra coisa é não comentar com ninguém”, diz trecho de um áudio em que Diego relata o pedido do assessor do governador.
Em seguida, outro interlocutor responde que “se for 12%, mas a gente ganhando preço cheio, não tem nem o que pensar”.
O interlocutor ainda faz uma previsão, após ser questionado sobre o alto valor da propina. “Diego, eu não me iludo, não. Pediram 12% agora, daqui pra frente, nessas obras dadas direto, é o mínimo, pode ter certeza. Pode esperar, daqui uns dias é 15%.”
O mesmo Diego, segundo as mensagens, volta a falar do valor da propina, cita que a quantia é alta e diz duvidar que o dinheiro seria totalmente destinado a custear gastos de campanha.
De acordo com a PF, a conversa aponta para o recebimento de propina por parte do governador e indica que pode ter havido abuso de poder político e econômica na eleição de 2022, quando Cameli foi reeleito governador.
Outro diálogo que chamou atenção dos investigadores foi um em que Diego fala sobre uma forma de transportar os valores que seriam utilizados no pagamento de propina. Nessa conversa, ele diz que “queria era uma mochila, uma pasta, alguma coisa, pra entregar esse dinheiro”.
Os pagamentos de propina aparecem ainda em planilhas apreendidas pelos investigadores. Em uma delas, o pagamento é classificado como “gastos administrativos”.
Para os investigadores, fica claro nas conversas que os valores têm como beneficiário o governador.
“As reiteradas referências à posição de ascendência de Gladson Cameli quanto às empresas que seriam ‘escolhidas’ para receber obras e quais teriam os seus contratos pagos com prioridade indicam, com pouca margem para dúvidas, que Gladson seria um dos beneficiários da propina paga pelos empresários”, diz trecho de um dos relatórios em posse do STJ.
Um dos indícios amealhados pelos investigadores é o depoimento de um prestador de serviços contratado para projetar e instalar um cinema particular na casa do governador —o imóvel foi um dos alvos de bloqueio pela Justiça.
Ele relatou à PF ter recebido R$ 50 mil em dinheiro vivo em uma sacola de perfumaria como parte do pagamento. Indagado sobre quem efetuou, ele narrou as características físicas da pessoa.
Dias depois, foi chamado novamente pela PF e por meio de fotos reconheceu que o responsável pela entrega dos valores era o mesmo assessor de Cameli citado nas conversas sobre cobrança de propina.
Outro fator que levou a PF a desconfiar do governador foi o crescimento do seu patrimônio. Os sigilos fiscais de Cameli, de 2018 a 2021, foram analisados e mostram um aumento exponencial, além da existência de considerável diferença entre o que foi declarado e o patrimônio oculto.
Após ser eleito governador em 2018, o patrimônio, segundo a apuração, cresceu quase cinco vezes em relação ao declarado ao iniciar o mandato.
O valor oficialmente declarado naquele ano foi de R$ 2,8 milhões, e os dados mostram que, em 2021, o patrimônio real era de R$ 16 milhões, um crescimento de mais de 470%.
Na 1ª fase da operação, em dezembro de 2021, o governador foi alvo de busca e apreensão e o STJ determinou o afastamento da coordenadora do seu gabinete, do secretário de Indústria, Ciência e Tecnologia e de outros dois servidores.
À época, segundo a polícia, a investigação mirava um esquema de corrupção integrado pelos agentes públicos em conluio com empresários que aparelhou a estrutura do governo para desviar dinheiro público.
No mesmo mês de 2021, a PF realizou a segunda fase da Ptolomeu e prendeu Rosângela Gama, então coordenadora de gabinete do Governo do Acre. A servidora, de acordo com a investigação, tentou obstruir a investigação em andamento.