Servidores sofrem em fila da CPI na Alesp
Servidores formam fila para protocolar CPIs em corredor da Assembleia Legislativa de São Paulo – Danilo Verpa/Folhapress
Depois de uma madrugada acampados para protocolar CPIs na Assembleia Legislativa de São Paulo, assessores parlamentares reclamam da situação e dizem que sair do lugar para ir ao banheiro ou fumar pode lhes custar o valioso lugar na fila –marcado com senha.
Os protestos contra o método são comuns entre funcionários de partidos da base de apoio a Tarcísio de Freitas (Republicanos), que lideram a fila, e os de oposição, da esquerda, que estão na lanterna. A Casa é presidida por um aliado de Tarcísio, o deputado André do Prado (PL).
Uma das assessoras diz estar submetida a uma prova de resistência do Big Brother –a maioria prefere não falar com a imprensa ou não se identificar.
Como mostrou a Folha, a fila para apresentar CPIs começou na manhã de terça (21), mais de 72 horas antes da abertura da sala do protocolo, prevista para sexta-feira (24), às 9h.
Como as comissões de investigação são instauradas na ordem em que são protocoladas, e só cinco podem funcionar por vez, há uma corrida entre base e oposição para conseguir emplacar seus temas.
Na tarde desta quarta (22), houve nova tentativa de acordo para adotar um método alternativo à fila em uma reunião entre os líderes partidários da Casa, mas nada de consenso —a fila permanece.
De acordo com deputados de esquerda, os parlamentares mais bem posicionados não querem deixar seus postos, mesmo que já existam senhas distribuídas para marcar os lugares.
“Apesar da tentativa, não houve consenso e acordo entre os líderes partidários durante a reunião.
O presidente reafirma que a administração da Casa deve ser isenta e respeitar as formas de atuação de todos os parlamentares e lideranças partidárias, garantindo segurança e ordem dos trabalhos”, diz uma nota emitida pela assessoria de imprensa da Alesp.
São 53 pessoas na fila nesta quarta-feira e cada uma pode protocolar apenas uma CPI. Foram distribuídas senhas com número –assessores argumentam que a senha é suficiente e não veem a hora de se livrar da fila.
Os partidos organizam seus assessores por turnos. Quem passou a madrugada na fila teve pizza e refrigerante no jantar. De tempos em tempos e sem aviso prévio, um representante da Casa confere senha por senha na fila, e os assessores que não estão presentes perdem seu lugar.
Por volta das 12h desta quarta, uma folha sulfite na parede indica as nove senhas já “canceladas por ausência de assessores”.
Os primeiros lugares na fila são ocupados por partidos aliados a Tarcísio e ao presidente da Casa –como PL, Republicanos e União Brasil. Thiago Auricchio (PL) está em primeiro, seguido de Gil Diniz (PL).
Gil, por exemplo, quer propor uma CPI a respeito de tratamento de transição de gênero para menores de idade.
O PT, partido de oposição mais bem posicionado na fila, está em 31º e ocupa outras oposições mais atrás. O PSOL chegou a enviar representantes, mas desistiu por considerar a situação degradante.
Os petistas têm propostas de CPI que atingem Tarcísio especificamente, como uma apuração sobre o tiroteio em Paraisópolis durante a campanha e a ligação entre o secretário da Educação, Renato Feder, e a empresa Multilaser –ambas ideias do deputado Reis (PT).
O PT quer propor ainda CPIs a respeito de contratos do DER, dos recursos do Instituto Butantan, de concessões e funcionamento do metrô e da CPTM, entre outros. O PSOL mira a despoluição do rio Tietê.
Já os tucanos propõem CPIs sobre a fraude nas Lojas Americanas e problemas de fornecimento da empresa de energia Enel.
O protocolo das CPIs geralmente ocorre após o início da legislatura –os novos deputados tomaram posse no último dia 15. Mas uma decisão do presidente anterior, Carlão Pignatari (PSDB), fechou o protocolo de matérias entre o dia 15 e o dia 23, reabrindo em 24.
Nesse período, o novo presidente, André, iria definir como seria feito o protocolo de CPIs e divulgar detalhes como data, horário e se o procedimento seria físico ou digital. Nesta quarta, um ato publicado no Diário Oficial determinou que as CPIs devem ser apresentadas fisicamente, a partir da manhã de sexta, na entrada do plenário.
A oposição afirma, no entanto, que deputados próximos a André e Tarcísio tiveram informação privilegiada. Enquanto a bancada de esquerda se preparava para o protocolo digital, os assessores da base já formavam a fila antecipadamente.
São necessárias 32 assinaturas de deputados para protocolar uma CPI, e os parlamentares passaram os últimos dias em busca dessa meta. As CPIs têm prazo de 120 dias e podem ser prorrogadas uma vez, por 60 dias, somando um período máximo de seis meses de duração.
Como mostrou a Folha, a fila da CPI já virou uma tradição na Assembleia. Na última edição, em 2019, servidores tucanos passaram 63 horas na fila para blindar o governador João Doria (PSDB) e empurrar para o fim da fila a CPI da Dersa, proposta pelo PT.
Há quatro anos, a fila da CPI começou no dia 15 de março, uma sexta-feira, e durou até a segunda-feira seguinte.
PSDB e aliados, uma vez no posto número um da fila, protocolaram 11 CPIs, empurrando as de oposição no mínimo para o ano seguinte.
Os temas variavam entre venda irregular de animais, fake news, situação da barragem Salto Grande, violência sexual em universidades, táxi aéreo e outros. Com isso, os tucanos alcançaram o principal objetivo de barrar uma CPI da Dersa, que miraria os escândalos de corrupção protagonizados pelo engenheiro Paulo Vieira de Souza, conhecido como Paulo Preto.
O mero protocolo das CPIs, no entanto, não garante seu funcionamento. Isso depende de o presidente da Casa criar a comissão, dos partidos definirem seus membros, do membro mais velho convocar a primeira reunião, dos membros elegerem presidente e relator e de que haja quórum para as demais reuniões. Todas essas etapas costumam enfrentar obstrução da base ou da oposição a depender do tema da CPI.