Bolsonaro é “persona non grata” em município gaúcho após 30 anos
Então deputado Jair Bolsonaro (PPR), em foto de 1993 – Imagem: Arquivo da Câmara dos Deputados
A pedido de Paulo Pimenta (PT), atual secretário de Comunicação do governo Lula, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) foi declarado persona non grata em Santa Maria (RS) em 1993. Trinta anos depois, o título não foi retirado.
O que aconteceu.
Em 18 de junho de 1993, Bolsonaro defendeu a volta de um “regime forte” ao Brasil em discurso na Câmara Municipal de Santa Maria. O então deputado era filiado ao extinto PPR e visitava a cidade para receber uma homenagem —após conseguir na Justiça que filhas de militares pudessem receber pensão até os 21 anos.
Os vereadores de Santa Maria haviam aprovado um requerimento que tornara Bolsonaro “visitante ilustre” e “hóspede oficial” do município em março daquele ano. Autor do pedido, Enir Reis (PTB) afirmou à época que o então deputado desempenhava suas funções com “importância singular e brilhantismo”.
Na primeira sessão após as declarações contra democracia, em 22 de junho de 1993, quatro vereadores se manifestaram contra as declarações de Bolsonaro. São eles: Maria Gessi Bento (PCdoB), Isaias Romero (PPR), Paulo Pimenta (PT) e Abdo Mottecy (PMDB), que o classificou como “psicopata e nacionalista fascista”.
No mesmo dia, Pimenta propôs uma moção de repúdio ao que Bolsonaro havia dito, que foi aprovada. O texto atribui grande parte dos problemas que o país enfrentava à época à herança deixada pela ditadura. Para o então vereador, o desejo de reviver o que o país havia passado entre 1964 e 1985 não passava de “insanidade ideológica”.
Além da moção de repúdio, o petista propôs que Bolsonaro fosse considerado “persona non grata” —o que também passou. Mesmo após três décadas e uma passagem do então deputado pela presidência da República, esta situação não foi alterada.
Reviravoltas.
Apesar de ser persona non grata, Bolsonaro foi o preferido da cidade nas eleições presidenciais de 2018. Ele recebeu 80 mil votos no primeiro turno —51,9% do total— e outros 90 mil votos na segunda fase das eleições. Haddad (PT) teve 57 mil.
Eleito, Bolsonaro foi à cidade gaúcha em 15 de junho de 2019. Ele participou da Festa Nacional da Artilharia, organizada pelo Exército. Foi recebido por uma carreata e com bandeiras verde-amarelas nas casas.
Já em 2022, Bolsonaro virou o jogo em Santa Maria do primeiro para o seguro turno. Na primeira fase das eleições, ele teve 45,07% dos votos válidos —contra 45,77% de Lula (PT). Já no segundo momento, obteve 52,29% —contra 47,71% do petista.
Por uma ironia do destino, o algoz de Bolsonaro em 1993 hoje ocupa seu antigo endereço profissional. Após seis eleições para deputado federal entre 2002 e 2022, Pimenta foi convocado por Lula para uma secretária que funciona no Palácio do Planalto.
Após as declarações em Santa Maria, Bolsonaro voltou a defender a ditadura —inclusive enquanto era presidente. Ele é investigado por incitar atos antidemocráticos.
O que disseram.
“Entendemos que nenhum militar verdadeiramente preocupado com os destinos do país e das Forças Armadas em particular apoiaria a volta de um regime aos moldes de 64, porque nunca na história do país a imagem do exército e das demais armas foi tão enxovalhada devido aos crimes que em seu nome foram cometidos. Lamentamos que uma parte significativa da chamada família militar, sobretudo os da reserva, se submeta a uma condição de massa-de-manobra de pregadores da estirpe de Jair Bolsonaro.” – Paulo Pimenta (PT), em requerimento de moção de repúdio às falas de Bolsonaro, de 22 de junho de 1993.
“A vida acabou mostrando o risco de personalidades autoritárias que desprezam a democracia. Ao longo do tempo, Bolsonaro se tornou uma pessoa ainda mais perigosa do ponto de vista do desprezo que ele tem pelo estado democrático de direito, pela bajulação aos torturadores, pela negação da ciência e eu me orgulho muito de tantos anos atrás ter tido essa opinião que se mantém e se amplia a respeito daquilo que eu penso do Bolsonaro.” – Paulo Pimenta (PT), atual ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência.
Sou a favor, sim, de uma ditadura, de um regime de exceção, desde que este Congresso Nacional dê mais um passo rumo ao abismo, que no meu entender está muito próximo.”Jair Bolsonaro, então no PPR, sobre suas declarações em pronunciamento na Câmara dos Deputados, em 25 de junho de 1993.
Procurados por meio do PL, partido ao qual é afiliado hoje, Bolsonaro não retornou os contatos da reportagem.