Barroso quer que redes paguem por conteúdo jornalístico

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Em palestra na Advocacia-Geral da União (AGU), o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso disse ser favorável que as plataformas digitais paguem os veículos de comunicação pelo uso de conteúdo. Esse é um dos pontos mais polêmicos do projeto de lei (PL) 2.630/2020, que trata da regulamentação das redes sociais.

Barroso citou, na noite de terça-feira (11), que a imprensa perdeu importância por causa das big techs. Na sua visão, o jornalismo profissional providencia um “patrimônio fático comum” que permite o diálogo entre visões divergentes de mundo — e vive em crise desde o surgimento das redes sociais.
“É preciso reocupar o espaço da imprensa tradicional para a criação de um patrimônio fático comum. Na Austrália, eles aprovaram uma lei que obriga as plataformas digitais a negociar com os veículos de imprensa tradicional um compartilhamento de receitas”, disse Barroso. “As mídias sociais circulam informação globalmente, mas não produzem. O business deles é de engajamento, e não de produção de notícias. Portanto, é preciso preservar quem vai conferir se a notícia é verdadeira — e isso vale também para checadores.”

Na Austrália, a lei citada por Barroso (News Media Bargaining Code) resultou em um aumento de receitas significativo para o setor jornalístico, mas trouxe também problemas, como a falta de transparência e isonomia nos acordos. O Facebook, por exemplo, não ofereceu nenhum acordo ao SBS, um dos principais grupos de mídia do país, enquanto topou pagar para seus concorrentes.

Vale pontuar que Barroso não se referia diretamente ao PL 2.630 quando citou a lei australiana.
A previsão de remuneração de veículos de imprensa foi incluída no PL 2.630 pelo relator do projeto na Câmara, Orlando Silva (PCdoB-SP), e foi mantida, com algumas modificações pontuais, na sugestão apresentada pelo governo federal.

Apesar de prever receitas para veículos de comunicação, e de ter o apoio de grandes entidades do setor como a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV (Abert), esse trecho é alvo de críticas por veículos independentes de jornalismo. Entre os motivos, está o fato de o texto ter pouca relação com o resto da lei e abrir brechas para um aumento na concentração de recursos em poucos veículos.

Após a palestra, a Lupa perguntou ao ministro sobre as sugestões do governo ao projeto, apresentadas no último dia 30. Ele disse, contudo, que não teve acesso à proposta.

Autorregulação regulada
Barroso foi o principal convidado da aula inaugural de um curso promovido pela AGU sobre democracia e desinformação. Durante sua fala, que durou cerca de uma hora, o ministro discorreu sobre os riscos à democracia trazidos pelas plataformas digitais. Ele disse que a regulação “se tornou necessária” e defendeu um modelo de autorregulação regulada para as redes sociais. Ainda afirmou ter “simpatia” por um modelo que inclua uma entidade externa, não estatal, que avalie o cumprimento de regras básicas por parte das plataformas.

Em suas sugestões ao PL 2.630, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) propõe a criação de uma “entidade autônoma de supervisão” com essa atribuição, mas, ao contrário do que defende o ministro, ela seria estatal. O artigo 49 diz que o Executivo pode criar essa entidade e que ela deve ter “autonomia administrativa e independência” na tomada de decisões, bem como “contar com espaços formais de participação multissetorial”.

Barroso citou como exemplo o Regulamento de Serviços Digitais (DSA, da União Europeia). A lei, que foi sancionada em outubro do ano passado e entra em vigor em 2024, cria novas obrigações para as plataformas digitais de grande porte — com mais de 45 milhões de usuários nos países membros —, incluindo a realização de análises de risco sistêmico e relatórios de transparência. Alguns aspectos da lei foram “importados” pelo governo em sua sugestão ao PL 2630.

Em sua fala, o ministro disse que os algoritmos de recomendação das redes sociais favoreceram o que chamou de “tribalização da vida” — bolhas virtuais nas quais as pessoas não são expostas a fatos e opiniões que não se adequem à sua visão de mundo. Dentro desse contexto, segundo Barroso, a desinformação se tornou uma “estratégia política” para populistas que atentam contra o sistema democrático.

O ministro brincou com algumas peças de desinformação a seu respeito, como a de que teria sido flagrado em uma orgia em Cuba com o ex-ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu. Ele também defendeu a educação midiática como fundamental no enfrentamento à desinformação. “A gente precisa ensinar as pessoas do risco do compartilhamento de informações cuja autenticidade não seja confirmada.”

Posse
Durante o evento, a advogada Natália Ribeiro Machado Vilar tomou posse como procuradora nacional de Defesa da Democracia. Anunciada em janeiro de 2023, a nova procuradoria deve atuar em casos que envolvam desinformação contra autoridades e políticas públicas, mas ainda não entrou em atividade.

Um grupo de trabalho, que incluiu representantes da sociedade civil, ficou responsável por redigir uma minuta de regulamento para a nova procuradoria. Segundo o advogado-geral da União, Jorge Messias, o texto está em fase de conclusão, e deve ser apresentado para consulta pública até o fim desta semana.

LUPA/UOL