Aras comprou simpatias com denúncia contra Moro

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ACUSADO - Sergio Moro: PGR fez denúncia-relâmpago contra o senador (./Reprodução)

Um dia depois dos atos golpistas de 8 de janeiro, episódio que marcou a mais grave agressão à democracia desde o regime militar, o presidente Lula reuniu no Palácio do Planalto cerca de quarenta autoridades entre juízes do Supremo Tribunal Federal (STF), ministros de Estado e governadores para avaliar as consequências dos ataques às sedes dos três poderes. Ladeado do vice-presidente, Geraldo Alckmin, dos chefes da Câmara e do Senado e de quatro integrantes do STF, Lula discursou em defesa das instituições e condenou os criminosos do que considerava uma tentativa de golpe de Estado. Na simbologia da política, por tudo que o cargo representa, ao procurador-geral da República normalmente seria reservada uma posição de destaque na mesa de autoridades. Augusto Aras, no entanto, estava no fim da fila, no meio de um amontoado de prefeitos, colocado pelo cerimonial a exatos dezoito assentos de distância do presidente. A deferência (ou a falta dela) não foi obra do acaso.

Desde que assumiu o posto, em setembro de 2019, o chefe do Ministério Público da União encerrou na largada mais de 70% dos pedidos de investigação que miravam o ex-presidente Jair Bolsonaro. De próprio punho ou por meio de auxiliares, afiançou o discurso do capitão de que não havia nada de errado em questionar a lisura das urnas eletrônicas, desqualificou as conclusões da CPI da Pandemia, minimizou as falas do mandatário em atos que pediam o fechamento do Congresso e do STF e partiu para cima da Lava-­Jato depois que o ex-juiz Sergio Moro deixou o governo — só para citar alguns casos em que o procurador-­geral foi acusado de atuar em sintonia com o Planalto. Para os petistas, o comportamento de Augusto Aras e da Procuradoria em determinadas situações ajudou Bolsonaro a concluir o mandato e, por muito pouco, não foi responsável também pela reeleição do ex-presidente.

Diante desse histórico, seria inacreditável imaginar a possibilidade de Aras ser reconduzido ao cargo pelas mãos do PT. Pois essa hipótese existe, está sendo defendida por figurões do governo e conta com a simpatia de altos cardeais do partido. Em setembro, termina o mandato do chefe do MP. Lula já anunciou que não pretende escolher o futuro ocupante do posto com base na lista tríplice elaborada pelo Ministério Público — uma tradição que ele implantou em sua primeira passagem pelo Planalto. O mandatário relatou a pessoas próximas o tamanho da mágoa que cultiva em relação aos procuradores por causa da Lava-Jato (de quem Aras também é adversário). Em março de 2016, durante a operação, ele reclamou que o então procurador-­geral, indicado na época por Dilma Rousseff, era um “ingrato”. O presidente deseja para o posto alguém sem compromissos corporativos, leal, discreto e simpático às ideias consideradas mais progressistas.

Embora críticas à Lava-Jato sempre tenham sido o único ponto de convergência de aliados de Lula em torno do atual procurador-geral, que desde antes de ascender ao cargo já defendia a necessidade de conter abusos da operação, uma sequência de recentes decisões que afagam o governo de turno se tornou a principal credencial de Aras para tentar conquistar um inédito terceiro mandato. Desde a vitória do petista, por exemplo, o chefe do MP pediu a inclusão de Bolsonaro em uma investigação sobre os atos de 8 de janeiro, designou um procurador de confiança para tocar as investigações contra centenas de manifestantes acusados de participação na depredação e defendeu a manutenção da prisão do ex-ministro Anderson Torres. Também acenou ao Planalto ao concordar com mudanças na Lei das Estatais para permitir a indicação de políticos, revendo uma posição feita dias antes pelo próprio MP, e mudou de ideia sobre o endosso que havia dado ao orçamento secreto, classificado por Lula durante a corrida presidencial como “excrescência”.

É nos corredores do Congresso, porém, que as articulações pela escolha de Augusto Aras têm reunido o maior número de adeptos. Embaixador informal da candidatura, o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), recebeu a missão de tentar convencer o presidente de que emplacar um nome automaticamente associado a uma suposta complacência com Bolsonaro, apesar de difícil assimilação pela militância, pode representar uma boa tacada. Não será tarefa fácil. Ainda na campanha, o próprio Lula deu estocadas no atual PGR e em sua vinculação ao antigo mandatário. “Você teve um tempo que tinha um procurador chamado engavetador e agora você tem um procurador que não processa as coisas que tem que processar. O resultado da CPI está paralisado”, afirmou em uma entrevista. Para enfrentar o que seria uma extrema contradição, o discurso ensaiado é que o custo político de escolher um procurador discreto e independente como Aras compensa a segurança para o governo não ser fustigado no futuro com investigações incômodas ou desnecessárias.

Considerado um dos cargos mais importantes da República, o procurador-geral tem entre suas atribuições processar parlamentares e o próprio presidente em casos de crime comum. “Espero escolher um cidadão decente, digno, de caráter, e que esse cidadão seja respeitado pelos bons serviços prestados ao país. Eu vou ser mais criterioso para escolher o procurador-geral da República”, disse o presidente em outra entrevista. Baiano como Wagner, o atual ministro da Casa Civil, Rui Costa, é outro que compõe a linha de frente do alto escalão do governo simpático à escolha de Aras, a quem conhece há anos. Presidente da poderosa Comissão de Constituição e Justiça, para onde a indicação do procurador-­geral é encaminhada após a escolha do Planalto, o senador Davi Alcolumbre (União-­AP) também trabalha pela nomeação, ideia que tem a simpatia do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (Pro­gres­sis­tas-­AL). Os três tiveram processos recentes nas mãos do procurador-geral que ou pouco avançaram ou acabaram arquivados.

Rui Costa, aliás, é alvo de um inquérito que apura fraudes de 48 milhões de reais na compra de respiradores durante a pandemia. O caso foi recentemente remetido ao Supremo e caberá ao titular da Procuradoria-Geral da República decidir se aprofunda ou descarta as investigações sobre o escândalo. Alcolumbre entrou na mira de acusações após VEJA revelar que seu gabinete recolhia ilegalmente dinheiro de funcionárias em um esquema de rachadinhas. Nesse caso, a Procuradoria simplesmente excluiu o parlamentar das apurações e fez um acordo financeiro com o então chefe de gabinete do senador. Já Arthur Lira recentemente se livrou de uma denúncia depois que a PGR pediu à Justiça que rejeitasse uma acusação que ela própria havia feito contra o deputado.

Na semana passada, o braço direito de Augusto Aras na instituição, a vice-procuradora-geral Lindôra Araújo, apresentou uma denúncia-relâmpago ao Supremo contra o senador Sergio Moro. O motivo: ele disse, em tom de brincadeira, que iria “comprar um habeas-corpus do Gilmar Mendes”, decano do STF e maior algoz do lavajatismo. Na acusação, não há menção de quando, onde nem em que contexto Moro supostamente caluniou o magistrado, embora o vídeo que foi divulgado mostre que o ex-juiz da Lava-Jato estava fazendo troça de uma gincana que leva convidados de uma festa junina para uma cadeia fictícia em troca da expectativa de pagamento de uma “fiança”. É pouco provável que o caso de Sergio Moro resulte judicialmente em algo efetivo — mas, acima de tudo, é um exemplo do poder de um procurador-geral da República.

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