STF vota hoje indulto de Temer
Com o placar empatado em 1 a 1, o STF (Supremo Tribunal Federal) suspendeu nesta quarta (28) a sessão que decidirá se o indulto natalino editado pelo presidente Michel Temer (MDB) no ano passado foi constitucional ou não.
O julgamento será retomado nesta quinta (29), para os votos dos nove ministros restantes. O plenário do Supremo está julgando uma ADI (ação direta de inconstitucionalidade) ajuizada pela procuradora-geral da República,Raquel Dodge, que questiona trechos do indulto assinado por Temer em 21 de dezembro de 2017.
Para Dodge, os trechos estimularam a impunidade e colocaram em risco o combate à corrupção e a Lava Jato. Ainda naquele mês, durante o recesso do Judiciário, a ministra Cármen Lúcia, presidente do STF na época, atendeu ao pedido da PGR e suspendeu os trechos contestados. Na volta do recesso, o relator da ação, ministro Luís Roberto Barroso, analisou o caso e manteve a decisão de Cármen Lúcia.
Posteriormente, Barroso fixou critérios para a aplicação da parte do decreto que não havia sido suspensa. Entre outras medidas, o ministro excluiu da incidência do indulto os crimes do colarinho branco, como peculato, corrupção, tráfico de influência, crimes em licitações, lavagem de dinheiro e ocultação de bens.
Ele também determinou que o perdão depende do cumprimento de, no mínimo, um terço da pena (equivalente a 33%) —e não um quinto (20%), como previa o decreto de Temer—, e só se aplica a casos em que a condenação for de, no máximo, oito anos (no texto original não havia teto). Barroso retirou, ainda, o perdão para multas impostas pela Justiça, previsto inicialmente.
Nesta quarta, ao votar, o ministro propôs que a corte mantenha as condições impostas em sua decisão individual e declare o decreto de Temer parcialmente inconstitucional.
“O decreto aqui impugnado, contrariando a série histórica, reduziu o prazo para cumprimento da pena para apenas um quinto e aboliu o teto máximo de condenação para fins de indulto”, disse Barroso. Em quase toda a vigência da Constituição de 1988, destacou o ministro, sempre foi necessário ter cumprido ao menos um terço da pena para ser beneficiado.
O relator também destacou que o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária havia recomendado que se vetasse o indulto a quem cometeu crimes como corrupção, lavagem de dinheiro e peculato. “Contra os órgãos técnicos, o ato presidencial pretendeu dar indulto a corruptos recém condenados e liberá-los do pagamento da multa”, afirmou.
Barroso acatou o argumento da PGR de que Temer usurpou competência do Congresso para legislar em matéria penal e afirmou que o presidente da República não pode, por meio de um decreto, mudar a política criminal do país.
Segundo o ministro, mesmo a lei mais benevolente exige o cumprimento de um terço da pena para pôr alguém em liberdade, dispositivo nuclear na política criminal definida pelo Legislativo.
“A competência para concessão do indulto deve ser interpretada de modo sistemático em harmonia com as opções legislativas definidas pelo legislador penal. Do contrário, haverá usurpação da competência do Congresso e violação da separação dos Poderes. Indulto é ato discricionário, ninguém discute. Mas não poder absoluto, acima da Constituição e das leis […] É fora de dúvida que o Judiciário pode controlar o ato discricionário e invalidá-lo quando for o caso”, defendeu.
Por ter fixado novos critérios para a concessão do indulto no começo deste ano, Barroso sofreu críticas de especialistas e, reservadamente, de alguns colegas do tribunal, por supostamente ter adentrado nas atribuições dos outros Poderes.
Em seu voto, o ministro rebateu essas críticas. Ele afirmou que uma decisão substitutiva se faz necessária quando se invalida uma norma e é preciso pôr outra no lugar. Então, a nova norma deve se fundamentar em critérios constitucionais, como ele avaliou ter feito. “Minha decisão retoma o padrão de indulto que foi praticado na maior parte dos 30 anos de vigência da Constituição de 1988”, disse.
Barroso também viu desvio de finalidade no decreto de Temer. De acordo com ele, o indulto historicamente tem duas justificativas: o descongestionamento do sistema prisional e o caráter humanitário. Em seu entendimento, nenhum desses objetivos é atingido perdoando corruptos —primeiro porque os condenados por corrupção representam menos de 1% dos 720 mil presos no país, e, depois, porque não há benemerência nessa medida de um modo geral.
“A corrupção é um crime violento, praticado por gente perigosa. É um equívoco supor que não seja assim. A corrupção mata na fila do SUS, na falta de leitos, de medicamentos, nas estradas que não têm manutenção adequada. O fato de um corrupto não ver nos olhos a vítima que ele produz não o torna menos perigoso”, declarou.
O ministro relator voltou a fazer uma defesa enfática da Operação Lava Jato. Sem citá-los nominalmente, Barroso listou uma série de políticos acusados e condenados, como o ex-presidente Lula (PT), o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (MDB-RJ), o ex-ministro Geddel Vieira Lima (MDB-BA) e seu “bunker” com R$ 51 milhões e o senador Aécio Neves (PSDB-MG).
“Esse é um flagrante do momento presente do Brasil. Alguém poderia dizer que há um complô contra tudo e contra todos. O problema dessa versão são os fatos, os vídeos, as malas, os apartamentos repletos de dinheiro. Todos alegam que estão sendo vítima, foi tudo uma miragem, perseguição de procuradores e da mídia opressiva […] As pessoas perderam o senso crítico, e este decreto é um bom exemplo disso”, disse.
Por fim, Barroso fez um apelo a seus pares. “[O indulto] Libera todas essas pessoas e o Supremo chancela isso? Que mensagem nós vamos passar? De que lado da história nós queremos estar?”, indagou. “Não dá para dizer que é contra a corrupção e ficar do lado dos que a praticam.”
Em seguida, o ministro Alexandre de Moraes divergiu do relator. No início de sua fala, ele respondeu a Barroso afirmando que, em um ambiente democrático, é preciso respeitar as discordâncias sem acusar o outro de ser defensor da corrupção. “Não é possível que esse tipo de argumentação midiática continue a existir”, declarou.
Moraes considerou que não houve usurpação do poder do Legislativo e que o indulto não feriu a política criminal do país, porque não precisa ser uma continuidade dela. “Se o presidente concorda totalmente com a política criminal, para que ele vai conceder o indulto? Perde até a finalidade desse sistema de freios e contrapesos”, disse.
Segundo Moraes, não compete ao Judiciário reescrever um decreto presidencial. Se a norma for inconstitucional, o Supremo deve reconhecer essa condição. Se não for, não pode discutir o seu teor e reeditá-la, pois estaria legislando.
“Se a escolha foi feita dentro das legítimas opções constitucionalmente previstas, me parece que não se pode adentrar no mérito [das escolhas do presidente]. Não se pode trocar o subjetivismo do chefe do Executivo pelo subjetivismo de um outro Poder.”
Ainda segundo o ministro, não está comprovado que existiu um desvio de finalidade na edição do decreto, que o presidente tenha tentado favorecer alguém —a própria procuradora-geral, de acordo com Moraes, reconheceu que não houve tal desvio.
“O Ministério Público quer negar ao presidente o que a Constituição prevê. Por mais grave que sejam as acusações feitas contra este presidente da República [Temer] não se pode enfraquecer a instituição Presidência da República”, defendeu Moraes.
O debate foi acalorado, e vários ministros pediram a palavra para adiantar em parte seus pontos de vista.
Edson Fachin afirmou que, se o Judiciário não pode interferir num decreto, também não poderia interferir na nomeação de ministros de Estado. Em duas ocasiões recentes o Supremo interveio em nomeações de ministros: no caso de Lula para a Casa Civil, no final do governo de Dilmar Rousseff, e no caso de Cristiane Brasil (PTB-RJ) para o Ministério do Trabalho, no governo Temer.
Já o decano da corte, Celso de Mello, também em um aparte, disse que cabe interferência do STF em casos de inconstitucionalidade e desvio de finalidade comprovado. E acrescentou: “Não posso presumir um desvio de finalidade”.
Da FSP