Esquerda tem primeira grande divisão no Congresso
Foto: Jorge William / Agência O Globo
Pressionado por partidos de centro, dos quais depende para formar uma base sólida no Congresso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem encontrado dificuldades para manter a ala mais à esquerda de seus aliados coesa com a frente ampla que montou para governar. Tanto na votação da nova regra fiscal quanto no acordo fechado para aprovar a reestruturação dos ministérios, foram parlamentares de partidos como PT, PSOL e Rede, e não a oposição, os que mais resistiram. Além disso, pautas ligadas a essas siglas, como a questão ambiental e a defesa do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), viraram uma espécie de calcanhar de aquiles do governo.
Frente aos primeiros resultados de votações no Congresso, petistas próximos a Lula avaliam que o governo terá de optar por encampar temas que gerem mais consenso entre parlamentares, como os ligados a educação, saúde e distribuição de renda. Segundo esses auxiliares, o ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais), responsável pela articulação política do governo, já entendeu que temas da agenda da esquerda sofrerão resistência no Congresso.
— Quanto mais se aproximar do centro, mais chance de aprovação. Agenda de esquerda tem tido pouca adesão — resume o líder do União Brasil no Senado, Efraim Filho (PB).
Quanto à pauta ambiental, que Lula tenta usar como vitrine no cenário internacional, aliados afirmam que terá de ser tratada de forma mais ampla, com foco, por exemplo, na preservação da Amazônia e no combustível verde.
Mas é na área econômica que o governo enfrenta fogo amigo de maior calibre. A próxima batalha será a reforma tributária, tema que já opõe petistas e a equipe econômica. O deputado Rui Falcão (PT-SP), que preside a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), é um dos que acreditam que o fatiamento da reforma pode fazer com que a segunda etapa sequer saia do papel. Pela proposta da Fazenda, primeiro será encaminhada a simplificação e unificação dos tributos, para mais tarde se tratar de renda, patrimônio e riqueza.
Como revelou O GLOBO, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, enfrenta desgaste com a bancada do partido na Câmara por defender posições mais à esquerda e que por vezes colidem com a pauta econômica de Lula. Além das críticas ao novo arcabouço fiscal, ela se disse contra a volta da cobrança de impostos sobre combustíveis.
O PSOL, por sua vez, votou integralmente contra a nova regra fiscal, enquanto deputados petistas, mesmo chancelando o projeto do governo, o criticaram duramente. Deputados protocolaram uma declaração que fala em “imprudência” e “estrangulamento” do poder público ao criticar a medida, especialmente após as mudanças promovidas pelo relator, Cláudio Cajado (PP-BA).
“Consideramos que o relatório de Cajado agravou sobremaneira as normas de contração dos gastos públicos, limitando fortemente a capacidade do Estado de fazer justiça social e comandar um novo ciclo de desenvolvimento”, diz um trecho do texto que tem entre os signatários Lindbergh Farias (PT-RJ), Rui Falcão e Bohn Gass (PT-RS).
Esse descompasso entre governo e esquerda ficou evidente também na votação da MP que reestruturou os ministérios, na semana passada. As mudanças feitas no Congresso enfraqueceram pastas como Meio Ambiente e Povos Indígenas, mas preservaram funções da Casa Civil e mantiveram a extinção da Funasa. Apesar do acordo costurado pelo Planalto, Gleisi ameaça ir ao Supremo Tribunal Federal (STF) para desfazer as alterações. Mas auxiliares de Lula afirmam que o governo não vê possibilidade de judicialização e que a melhor opção é negociar alterações até amanhã, quando a MP deverá ser votada no plenário da Câmara.
A ligação de Lula e do PT com o MST é vista como um dos principais pontos de conflito com a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), que tem 344 integrantes. Aliados de Lula afirmam que pautas vinculadas aos sem-terra, ao Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e aos indígenas terão dificuldades. Foi a proximidade do PT com os sem-terra um dos motivos da criação da CPI que investiga o movimento e cujos membros são em sua maioria da oposição.