Lira já sabota governo Lula à luz do dia

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Foto: Sergio LIMA / AFP

Após sofrer uma série de derrotas em votações na Câmara, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva tenta equacionar o que pode ceder ao presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), para conseguir fazer andar sua agenda no Congresso.

Os embates desta terça-feira, que envolveram o marco temporal e a medida provisória da reestruturação dos ministérios, foram vistos por aliados de Lula como mais um da série de recados que Lira tem dado.

Um ministro do governo avalia que Lira usa as votações para cobrar mais controle do orçamento. O governo descarta ceder totalmente ao presidente da Câmara, mas entende que precisará atender às demandas dele de alguma forma.

O entendimento de aliados de Lula é que Lira quer manter, dentro das emendas RP2, que são de controle dos ministérios, a influência que tinha sobre as emendas RP9, as de relator, que eram controladas pela cúpula do Congresso e ficaram conhecidas como orçamento secreto.

O governo ainda não definiu qual o tamanho do controle que Lira vai ter das emendas RP2, mas sabe que vai ter que ceder a ele algum pedaço de influência. A equação ainda não foi fechada e é considerada complexa porque Lula, se pudesse, não cederia nada; e Lira, se pudesse aumentaria consideravelmente o controle.

Em relação à indicação de ministros, membros do governo não entendem que esse é o foco de Lira e não vislumbram uma reforma ministerial no curto prazo. Apesar disso, caso seja superada a questão sobre o controle do orçamento, a avaliação do Executivo é que é natural que a etapa posterior seja a entrada de Lira no governo, com a indicação de ministros.

Os embates do presidente da Câmara com o senador Renan Calheiros (MDB-AL) também têm contribuído com os atritos com o governo. Enquanto o MDB tem três ministérios, sendo um deles o ministro dos Transportes, Renan Filho, que é filho do ex-presidente do Senado, Lira não conseguiu indicar nenhum ministro. No final de 2022, o chefe da Câmara tentou indicar o ministério da Saúde e emplacar o deputado Elmar Nascimento (União-BA) na Integração Nacional, mas não obteve sucesso

Por outro lado, Lira já conseguiu impor derrotas a Renan. Com influência sobre o maior bloco da Câmara, o deputado do PP conseguiu ter controle sobre boa parte da CPI mista do 8 de janeiro e vetou Renan na relatoria do colegiado. Depois disso, o senador decidiu que não iria sequer participar da comissão.

Em uma publicação nas redes sociais na segunda-feira, Renan disse que o deputado do PP é “caloteiro” e “bate em mulher”. Na sessão desta terça, o deputado Pedro Lupion (PP-PR) leu uma nota de desagravo e repudiou as declarações de Renan.

Em mais uma noite de derrotas, a Câmara aprovou o marco temporal da demarcação das terras indígenas. O governo orientou contra o projeto e o deputado José Guimarães (PT-CE), líder de Lula na Câmara, chegou a lembrar que críticas ao marco foram feitas por Lula na campanha presidencial do ano passado.

– É importante dizer a esta Casa que esta questão fez parte do Programa de Reconstrução, apresentado pelo presidente Lula na disputa eleitoral. Foi um compromisso eleitoral, por compreender que simplesmente um projeto de lei não tem força para alterar o artigo 231 da nossa Constituição – disse.

Da mesma forma, o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), não escondeu a insatisfação com a aprovação do texto.

– O marco temporal vai vir para cá (Senado). Acho que a forma está equivocada. Como voltar 40 anos na história? Não é razoável – afirmou.

Por outro lado, uma ala do governo era favorável ao projeto. O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, que é ligado à bancada ruralista, adotou tom diferente dos líderes do governo.

—Eu defendo a pacificação, compreendo que os povos indígenas precisam em alguns pontos de uma atenção especial, de um pedaço maior de terra, mas isso não pode ser em detrimento de produtores que estão há centenas de anos com propriedades tituladas. Vamos achar algum termo, entendo que isso vai acontecer com moderação – apontou.

MP dos Ministérios
Além disso, a Câmara ainda não votou a medida provisória que reestrutura os ministérios. Lira e líderes partidários aliados a ele chegaram a usar a MP como estratégia para aprovar o marco temporal. O presidente da Câmara fez questão de votar primeiro o marco. Líderes chegaram a dizer que se o governo obstruísse a votação, iria sobrar menos tempo para votar a medida provisória. A MP, que ainda precisa ser votada pelo Senado, tem validade até o final desta quarta-feira. Se perder a validade, os ministérios passariam a ter a mesma configuração do governo Bolsonaro, com 17 pastas a menos.

A Casa deve chancelar o relatório do deputado Isnaldo Bulhões (MDB-AL), que alterou a estrutura definida por Lula. Uma das mudanças, por exemplo, foi na desidratação do Ministério do Meio Ambiente, de Marina Silva, que perdeu a Agência Nacional das Águas (ANA) e o Cadastro Ambiental Rural (CAR).

Rompido com a ministra desde 2008, Lula se reconciliou com Marina e resolveu turbinar sua pasta após vencer a eleição de 2022. Caso o Congresso confirme o relatório, a pasta perde relevância.

O ministro da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, reconheceu que a versão da MP não é a ideal.

– Não digo que é o relatório ideal para o governo porque o ideal é o texto original, mas não existe isso. Existe construção com a Câmara, com o Senado – declarou.

Da mesma forma, os parlamentares resolveram impedir a ida do Conselho de Controle de Atividades Econômicas (Coaf) para o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Havia uma MP separada para fazer essa transferência, mas ela irá perder a validade e a estrutura irá ao Banco Central, comandada por Roberto Campos Neto, que tem sido alvo de críticas de Lula.

Em outra mudança. O texto atual da MP que reestrutura os ministérios esvazia a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), que está sob alçada do ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, do PT, para colocar as principais atribuições sob a responsabilidade do ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, ligado à bancada ruralista.

Lira já havia dado recados anteriores ao governo ao aprovar a derrubada do decreto de saneamento, que foi articulado pelo ministro da Casa Civil, Rui Costa. O projeto que derruba o decreto está sob análise do Senado. Há também a previsão de derrubar outro decreto, dessa vez um que exige visto para turistas vindos dos Estados Unidos, Japão, Canadá e Austrália.

O Globo