
Por que Zanin virou “consenso” entre governo e oposição
Foto: Crisitiano Mariz
Advogado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, responsável por sua indicação ao Supremo Tribunal Federal (STF), Cristiano Zanin pavimentou nas audiências da Lava-Jato e nos corredores do Senado o caminho que deverá garantir a aprovação com folga, hoje, à vaga aberta na Corte com a aposentadoria do ex-ministro Ricardo Lewandowski.
Nos tribunais, ao longo dos últimos anos, foi crítico à atuação do Ministério Público e do ex-juiz Sergio Moro, defendeu a tese que garantiu a anulação dos processos contra o petista e consolidou a visão de que é um garantista, perfil que encontra mais adesão no meio político. No Congresso, nas últimas semanas, reuniu-se com mais de 70 senadores e angariou votos até na oposição, beneficiado também pela necessidade observada pelo bolsonarismo de não queimar ainda mais pontes com o Supremo.
A última etapa do périplo de Zanin rumo ao STF começa na manhã de hoje, com a sabatina na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Lá, o advogado estará de novo frente a frente com Moro, com quem não chegou a ter um encontro no período em que se dedicou a conquistar os apoios. O plenário da Casa deve analisar a indicação na sequência. No entorno de Zanin, a expectativa é por um placar em torno de 60 votos favoráveis — entre adversários do governo, a avaliação também é de um caminho sem sobressaltos. Levantamento feito pelo GLOBO na semana passada mostrou que o advogado já tem o endosso necessário do Senado.
O patamar é explicado por aliados e adversários como resultado do viés garantista, corrente que dá mais vazão aos direitos dos investigados, na comparação com os “punitivistas”. Nas conversas, a despeito da relação pessoal com Lula, Zanin conseguiu se descolar da imagem de “petista de carteirinha”.
Ele intensificou o roteiro na semana passada, com encontros em gabinetes, cultos, jantares e almoços — em um deles, esteve com a senadora Damares Alves (PL-DF), ex-ministra de Jair Bolsonaro. Entre os 81 integrantes do Senado, ultrapassou a marca dos 70 encontros, incluindo todos os partidos. A reta final foi reservada a nomes da oposição.
— Eu expus minhas preocupações. Juiz não pode querer legislar. Outro ponto é o comportamento como membro do Judiciário: não escolher lado. Eu gostei dele porque é um advogado, não um militante político, e ele disse que não é. Isso tranquiliza muito — disse o senador oposicionista Zequinha Marinho (PL-PA).
A votação ocorre no momento em que o ex-presidente Jair Bolsonaro está pressionado pelo julgamento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que pode tirá-lo de eleições por oito anos, situação que também contribuiu para inibir manifestações contrárias da oposição. O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) se esquivou de um posicionamento público, mas, em entrevista ao GLOBO, em maio, disse que via “pontos positivos” na indicação de um advogado, tipo de profissional que, segundo ele, tem uma “sensibilidade maior”. Como mostrou a colunista do GLOBO Bela Megale, a articulação pró-Zanin teve o apoio ainda da advogada Karina Kufa, que integra o time de defesa de Bolsonaro. Segundo ela, o escolhido de Lula é um “bom nome e atende todos os requisitos exigidos”.
Relator da indicação de Zanin na CCJ, o senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB) acrescentou que o advogado não é tomado por “arroubos”.
— É uma pessoa sem posições que mudam de acordo com as circunstâncias, o que deve ter sido levado em conta, a ponto de vermos alguns destes que estão na oposição participando desse processo (de apoio) — disse Veneziano.
Já o senador Esperidião Amin (PP-SC) foi mais direto. O parlamentar, que disse ainda não ter definido o voto, avalia que o advogado ganhou apoio suprapartidário na bancada contra a Lava-Jato.
— O garantismo está na moda. O que não está na moda é o combate à corrupção. Certamente, ele foi beneficiado por isso. A turma que era contra a Lava-Jato, tanto do PT quando do meu partido, vai votar nele. O Lula é o menos importante, vai passar. Mas ele vai dar garantia por 30 anos (no STF)— avaliou.
Nesta terça-feira, véspera da sabatina, Zanin pôde até suspender a andança no Senado, diante do amplo suporte angariado. Ele optou por “preservar a voz”, já prevendo a maratona com a qual pode se deparar. Em 2015, a sabatina de Edson Fachin durou mais de 12 horas. A orientação dada pelos aliados foi para que ele descansasse e, por isso, participou de apenas algumas agendas privadas. A esposa do advogado, Valeska Teixeira, vai acompanhar a audiência na CCJ e está em Brasília desde o início da semana. Ao longo da espera por sua aprovação pelo Senado, Valeska, que é sua sócia, auxiliou o marido nas articulações com integrantes da oposição.
Nas conversas com os senadores Zanin foi questionado sobre o relacionamento com Lula e a respeito de temas que estão no Supremo, como o marco temporal das terras indígenas e a anistia a partidos políticos que não cumpriram cota de gênero e raça. No primeiro caso, há uma ação em julgamento no plenário; no segundo, existe pedido de liminar para suspender a tramitação de um projeto sobre o assunto.
Enquanto seus posicionamentos sobre uma abordagem do direito penal mais favorável aos réus são largamente conhecidos, em outros temas ainda não houve manifestação pública. É o caso, por exemplo, da descriminalização das drogas, do aborto e das questões ambientais, que devem ser explorados na sabatina. Em encontro com lideranças evangélicas, Zanin disse, segundo os presentes, que a descriminalização do aborto e das drogas são temas do Legislativo, e não do Judiciário.
Durante seu périplo em busca de aprovação, Zanin também foi questionado por senadores se, uma vez no STF, iria recebê-los em seu gabinete, sem “chá de cadeira”.
— Para mim, ele não é só o advogado de Lula. É garantista, cumpre a Constituição. Não acredita nessa teoria de que não tem prova, mas tem convicção. A gente sabe que no Brasil tem milhares de homens e mulheres que estão presos sem provas, mas porque os acusadores têm convicção — disse a senadora Zenaide Maia (PSD-RN).
A chegada de Zanin deverá manter na Corte um ministro nos moldes de Lewandowski, seu antecessor, também garantista e crítico à Lava-Jato. A opinião de Zanin com relação à atuação do Ministério Público também se assemelha às posições que Lewandowski adotou ao longo dos últimos anos no Supremo. Por isso, sua posse como ministro é vista como uma “manutenção” do equilíbrio de forças dentro do tribunal, composto por 11 membros.
O ex-ministro Ayres Britto avalia que o Senado, ao sabatiná-lo, precisa questionar, principalmente, se ele é um defensor da democracia.
— Depois dos últimos anos, daquela tentativa de “democraticídio”, é o que há de mais importante. Saber explicitamente se é um democrata raiz, porque a democracia é o princípio maior da Constituição brasileira — disse ao GLOBO.
O ex-presidente do STF Celso de Mello acrescentou que o advogado, aos 47 anos, “preenche todos os atributos constitucionais” para a nomeação:
— A sua juventude representa um fator de grande importância, pois permitirá que ele, com seu saber de experiência, contribua enormemente, e com significativo impacto, para o enriquecimento da jurisprudência de nossa Corte Suprema.