Escritório de advocacia bolsonarista politiza oferta de emprego
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O processo seletivo para preencher uma vaga em um escritório de advocacia de São Paulo tem chamado a atenção nas redes sociais devido a perguntas sobre como os candidatos veem o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e o ex-presidente Jair Bolsonaro. A prática foi considerada discriminatória e as questões, enviesadas. O escritório confirma a existência das perguntas, mas nega qualquer discriminação.
Aos candidatos ao posto de estagiário do escritório Almeida, fundado pelo advogado trabalhista Rafael Almeida, é exigido o preenchimento de um formulário que, entre outras questões, pede que os candidatos avaliem os dois políticos.
Primeiro, o candidato precisa responder à questão “para você, Lula é” e escolher entre as opções “herói”, “bandido”, “mentiroso” e “salvação”. Em seguida, à pergunta “para você, Bolsonaro é”, é obrigatório escolher entre as alternativas “herói”, “genocida”, “ex-presidente” e “bandido”.
O questionário provocou revolta nas redes sociais. Em uma publicação na rede social LinkedIn, que teve mais de 1.100 comentários, uma candidata critica o questionário. “O meu sentimento foi de espanto. O voto é secreto e a minha opinião política não deve ser questionada para nenhuma vaga”, disse. Ela não quis dar entrevista.
Também nas redes, usuários criticaram o fato de a pergunta relativa a Bolsonaro ter uma opção neutra, diferentemente da questão sobre Lula.
Em seu perfil no Instagram, o escritório relaciona a eleição de Lula auma possível crise econômica. Em 3 de janeiro, uma publicação questiona se “a sua empresa está preparada para este novo ciclo?”, relacionando o governo petista a uma possível recessão.
A publicação do escritório de Rafael Almeida cita como “alguns impactos imediatos” da posse do novo governo a interrupção de investimentos no primeiro trimestre por parte de grandes empresas, o aumento do dólar, e um suposto “medo do mercado, pois a maioria da classe empreendedora não esperava que Lula fosse eleito — ocasionando uma recessão”.
Para Otávio Pinto e Silva, professor de Direito do Trabalho da USP e sócio do escritório Siqueira Castro, questões como as formuladas nesse processo seletivo podem ser irregulares se tiverem a intenção de discriminar candidatos por quaisquer posições políticas.
— Por trás dessa informação, pode ter a intenção de discriminar. As perguntas precisam ser retiradas do processo seletivo. O empregador pode selecionar as pessoas de acordo com o perfil que ache mais adequado, mas não pode adotar critérios de seleção que discriminem candidatos por fatores políticos. Além disso, a Lei Geral de Proteção de Dados preconiza que essas informações são dados sensíveis — ressalta Pinto e Silva.
“Análise extracurricular”
O advogado afirma que o escritório pode ter de responder à Justiça pelo caso e, eventualmente, pode ter de responder a uma ação do Ministério Público do Trabalho.
— O MPT pode questionar a forma pela qual a seleção foi feita e pode abrir ação civil pública contra quem a promoveu, com pedido de indenização à sociedade. A tendência é que essa seja considerada uma prática discriminatória pela Justiça — ressalta.
Ao GLOBO, o fundador do escritório que fez o processo seletivo, Rafael Almeida, negou qualquer tentativa de discriminação.
“O intuito do formulário foi claro, uma análise extracurricular dos candidatos. Tanto que aborda inúmeros temas, como hobby, livros, atividade física etc”, disse por mensagem de texto.
“Eu deveria ter pensado melhor em colocar algo desse tipo. (…) O escritório nunca se envolveu em política e atende a sociedade sem olhar pra essas coisas. A ideia foi única e exclusiva (sic) para conhecer a pessoa”, afirmou.