Deputado da peruca terá que apagar posts homofóbicos
Em vitória para o movimento LGBTQIA+, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) determinou nesta terça-feira que o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) exclua dez publicações de conteúdo transfóbico de suas redes sociais. A decisão, a qual O GLOBO teve acesso, diz que as postagens caracterizam “discurso de ódio” e geram “risco de aumento da violência”.
“Não se tratou de uma simples postagem prejudicial à causa LGBTQIA+ ou para o debate de ideias ligadas à função parlamentar, mas de um conjunto de postagens destinadas a negar a própria existência da identidade de gênero e a propagar a hostilidade, o que gera risco de aumento da violência”, escreve a juíza Priscila Faria, da 12ª Vara Cível de Brasília, em sua decisão.
A ação civil pública foi ajuizada pela Aliança Nacional LGBTI e Associação Brasileira de Famílias Homotransafetivas (ABRAFH), que promovem a defesa de interesses e direitos da população e famílias LGBTQIAP+. Todas as postagens que foram alvo da justiça fazem referência ao discurso que Nikolas proferiu na Câmara dos Deputados no Dia Internacional da Mulher, ocasião em que colocou uma peruca, se autodenominou “Nikole” e disse que se “sentia mulher”. São vídeos reproduzindo a fala do deputado ou mesmo de terceiros elogiando a sua conduta no Instagram, Twitter, Facebook, TikTok e Youtube.
O TJDFT negou o pedido das associações para a imediata suspensão de todas as redes sociais de Nikolas. O argumento é que a medida seria extrema e equivaleria a uma censura prévia. No entanto, a decisão classificou as publicações do deputado bolsonarista como “discurso de ódio”.
“As postagens que acima foram qualificadas como discurso de ódio podem e devem ser removidas das redes sociais, como forma de evitar a propagação da hostilidade e da violência contra a comunidade LGBTQIA+”, escreve a juíza.
“Ressalte-se, mais uma vez, que, se de um lado o réu é parlamentar e por isso tem maior liberdade de se expressar, quanto maior a liberdade, maior a responsabilidade, e não há como ignorar o peso que a fala do réu tem, em razão da responsabilidade que a função pública que exerce lhe impõe. Destaque-se, ainda, que, caracterizado o discurso de ódio, que atenta contra o Estado Democrático de Direito, que só pode ser construído com o reconhecimento da diversidade e com o combate ao preconceito e à discriminação, sequer se ingressa na seara da liberdade de expressão e da imunidade parlamentar.
A advogada Maíra Recchia, que assina a ação, diz que a decisão é importante sob a ótica jurídica, pois calibra exatamente a ideia de que imunidade parlamentar e liberdade de expressão não são salvo-conduto para a prática de crimes como a transfobia.
— Em um país como o Brasil, onde mais se mata pessoas trans no mundo, essa decisão, além de irretocável do ponto de vista técnico, coloca de volta a obrigação de civilidade e respeito por aqueles que ocupam a política brasileira — afirmou a advogada ao GLOBO.
De acordo com a juíza, a performance realizada pelo deputado na Câmara torna ainda mais evidente o excesso no exercício do direito de liberdade de expressão, pois gerou uma ridicularização das mulheres trans, outro fator de estímulo à discriminação, hostilidade e violência.
A deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP), primeira mulher trans eleita para a Câmara dos Deputados, ao lado de Duda Salabert (PDT-MG), comemorou a decisão:
— O que essa decisão mostra é que quem pratica transfobia terá de arcar com as consequências, seja na esfera criminal ou cível, com penalizações e até mesmo impacto no próprio bolso. O judiciário está reconhecendo que a disseminação de notícias falsas, transfobia e incitação à transfobia praticadas pelo deputado é absolutamente ilegal e não pode circular na sociedade — afirma a deputada.
— Para nós, de Minas, ficamos muito felizes de ver a decisão da juíza que, ainda que tarde, delibera pela remoção dos conteúdos transfóbicos. Alguém tem que colocar limite nesse menino, que não pode achar que porque é deputado federal pode fazer o que quer, agredir as pessoas e espalhar o ódio — disse a secretária de Finanças e Planejamento do PT, Gleide Andrade.
O Globo