Defesa de Bolsonaro finge não ver as provas
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Desde a descoberta dos primeiros conjuntos de joias e presentes recebidos por Jair Bolsonaro de representantes internacionais enquanto estava no governo, o ex-presidente sempre negou qualquer irregularidade no recebimento dos objetos. As explicações, no entanto, esbarram em detalhes da investigação da Polícia Federal que motivou as operações de busca e apreensão, nesta sexta-feira, nas casas do pai do tenente-coronel Mauro Cid, general Mauro Lourena Cid; o ex-ajudante de ordens Osmar Crivelatti e o advogado da família Bolsonaro Frederick Wassef.
Veja momentos em que Bolsonaro pode ter caído em contradição.
Dias após dizer que não tinha recebido qualquer joia, Bolsonaro contrariou sua primeira versão e confirmou à CNN Brasil que parte dos presentes encaminhados pelo príncipe da Arábia Saudita, em 2021, havia sido incorporada ao acervo privado dele.
— Não teve nenhuma ilegalidade. Segui a lei, como sempre fiz — disse em referência ao segundo conjunto que passou pela Alfândega composto por um anel, um relógio, um par de abotoaduras, um terço árabe e uma caneta, todos da marca suíça Chopard.
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou que dados “indicam a possibilidade” de que o esquema de desvio de presentes recebidos pela Presidência da República ocorreu por “determinação de Jair Bolsonaro”.
“Assim, destaca a Polícia Federal que (a) os dados analisados indicam a possibilidade de o Gabinete Adjunto de Documentação Histórica do Gabinete Pessoal da Presidência da República (GADH/GPPR) – órgão responsável pela análise e definição do destino (acervo público ou privado) de presentes oferecidos por uma autoridade estrangeira ao Presidente da República – ter sido utilizado para desviar, para o acervo privado do ex-Presidente da República, presentes de alto valor, mediante determinação de Jair Bolsonaro”, afirmou o ministro na decisão.
Em abril, ao comentar sobre a pressão do governo para recuperar o conjunto de joias retidos pela Receita Federal, a defesa de Bolsonaro justificou que a ação visava evitar um “vexame internacional”.
— Um presente de chefe de Estado dado ao governo brasileiro jamais poderia ir a leilão por inação de quem quer que seja — explicou o advogado e ex-ministro Fábio Wajngarten, na ocasião.
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A operação desta sexta-feira, no entanto, encontrou indícios de que um kit de joias foi colocado em leilão nos Estados Unidos, em fevereiro deste ano. As investigações apontam ainda que houve negociações sobre a comercialização de peças quando Bolsonaro ainda era presidente. Dados do relatório mostram que, em junho de 2022, Mauro Cid aproveitou uma viagem oficial de Bolsonaro aos Estados Unidos para vender dois relógios que haviam sido recebidos pelo então presidente, das marcas Rolex e Patek Philippe.
A defesa de Bolsonaro acionou o Tribunal de Contas da União (TCU) para solicitar que o órgão fosse o depositário do conjunto de joias de luxo sauditas que ficaram com o ex-presidente. Na petição apresentada ao TCU, os defensores de Bolsonaro afirmam que ele não pretendia ficar com os itens.
“Em momento algum (o ex-presidente) pretendeu locupletar-se ou ter para si bens que pudessem, de qualquer forma, serem havidos como públicos”, diz trecho do texto da defesa.
A investigação mostram que, para atender à determinação TCU, os auxiliares de Bolsonaro precisaram de um esforço para retomar itens vendidos. No dia 11 de março de 2023, o advogado Frederick Wassef embarcou em um voo saindo de Campinas (SP) em direção a Fort Lauderdale, na Flórida. No mesmo dia, trocou mensagens com Cid.
Em paralelo, Cid conversava com o ex-secretário de Comunicação Fabio Wajngarten, atual assessor de Bolsonaro, sobre a possibilidade de uma decisão do ministro Augusto Nardes, do TCU, ser revista. Inicialmente, o magistrado determinou que o ex-presidente não poderia vender as joias. Depois, mudou sua posição e obrigou a devolução.
No dia 26, o próprio Cid saiu de Campinas e chegou na manhã seguinte em Fort Lauderdale. Na noite do dia 27, embarcou em um voo de volta para Miami e chegou no dia seguinte em Brasília. Na mesma data, há um registro no Uber de Cid do endereço de uma loja de joias em Miami. Na tarde deste dia, ele manda uma mensagem para Crivelatti: “Resolvido”. Depois, pede o envio do “cadastro dos presentes”, “caso seja parado amanhã”.
Ao voltar para o Brasil, em março, Bolsonaro afirmou no aeroporto de Orlando, nos Estados Unidos, que “nada foi escondido” e que os itens estavam à disposição.
— Se houvesse má fá por parte de alguém, não teria sido cadastrado. Nada foi escondido. Se a imprensa divulga, é porque tem um cadastro dizendo que foi recebido — explicou, ressaltando que todos os itens estavam “à disposição”.
Ao contrário da afirmação, investigadores identificaram pelo menos outros cinco itens que teriam sido negociados pelos funcionários de Bolsonaro. Entre eles, estão dois relógios, duas estátuas douradas — uma de barco e outra de palmeira — e um kit de joias que continha caneta, anel, abotoaduras e um rosário árabe. A PF calcula que esses objetos renderam cerca de R$ 1 milhão.
Após a divulgação de informações das trocas de e-mail de Mauro Cid mostrando que o ajudante de ordens tentou vender um relógio recebido em viagem oficial do ex-presidente à Arábia Saudita, Bolsonaro aformou que cotar o preço “era natural”.
— Não vejo nenhuma maldade em você cotar o preço de alguma coisa. É natural. ‘Quanto é que vale isso aí?’ É natural — afirmou, sem cometar uma possível venda.
No entanto, como já citado, a decisão de Alexandre de Moraes autorizando a operação menciona a “possibilidade” de que o esquema de desvio de presentes recebidos pela Presidência da República tenha ocorrido por “determinação” do próprio Bolsonaro.