PF descobre por que Bolsonaro fugiu do país

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Foto: Cadu Gomes/Agência O Globo

Os relógios marcavam 14h02 quando o avião presidencial decolou da Base Aérea de Brasília. A dois dias do fim do mandato, Jair Bolsonaro deixava o país rumo a Orlando, nos EUA. Era seu último ato como chefe do Executivo.

O capitão não deu satisfações sobre o abandono do cargo. Aliados disseram que ele simplesmente não queria entregar a faixa ao sucessor. Parecia uma explicação incompleta, apesar do seu conhecido desprezo pela democracia.

O general João Figueiredo, o último dos ditadores, também fez birra ao deixar o poder. Para boicotar a posse de José Sarney, não precisou botar o pé no jato. Bastou sair do palácio por uma porta lateral.

Adversários arriscaram outra tese para o voo de 30 de dezembro de 2022. Bolsonaro teria se mandado para evitar uma prisão iminente. Sem foro privilegiado, ele ficaria mais próximo de acertar contas com a Justiça. Ainda assim, não haveria motivo para uma fuga tão apressada.

Na sexta-feira, a Polícia Federal deu novas pistas para esclarecer o enigma. O avião não decolou apenas com Bolsonaro, a primeira-dama e um punhado de assessores. Também transportava joias desviadas do acervo da Presidência.

As investigações apontam a existência de um esquema para desviar presentes recebidos em viagens oficiais, com o objetivo de “posterior venda e enriquecimento ilícito do ex-presidente”. Em relatório, a PF enumera peças “evadidas do Brasil” no avião da FAB. A lista inclui duas esculturas douradas e um conjunto de joias em ouro rosé, com caneta, anel, abotoaduras, rosário árabe e relógio.

O kit foi entregue ao almirante Bento Albuquerque, ex-ministro de Minas e Energia, em visita à Arábia Saudita. Deveria ser incorporado ao patrimônio da União, mas acabou numa mala a caminho da Flórida.

O contrabando era operado pelo tenente-coronel Mauro Cid, dublê de ajudante de ordens e camelô de farda. Numa das negociações descobertas pela PF, ele recebeu quase R$ 350 mil ao vender dois relógios de luxo: um Rolex recebido da ditadura saudita e um Patek Philippe presenteado pelo rei do Bahrein.

Agora se sabe que ele não agia sozinho. Segundo a polícia, o segundo-tenente Osmar Crivelatti e o general da reserva Mauro Lourena Cid, pai do ajudante de ordens, também atuaram no esquema.

De acordo com as investigações, o general chegou a armazenar US$ 25 mil em espécie. A quantia, hoje equivalente a R$ 122 mil, seria entregue em mãos ao ex-presidente. “Quanto menos movimentação em conta melhor”, anotou Mauro Cid, o filho. A tática costuma ser usada para ocultar a origem de dinheiro ilegal.

No passado, os presidentes brasileiros usavam um avião conhecido como Sucatão. Depois de Bolsonaro, o Airbus da FAB poderia ser chamado de Muambão. O voo de 30 de dezembro não era só birra. Era viagem de negócios.

O roubo de joias por governantes em fuga não é inédito na história brasileira. Em 26 de abril de 1821, Dom João VI deixou o país para assumir o trono de Portugal. Antes de embarcar, ordenou a retirada de ouro e diamantes guardados nos cofres do Banco do Brasil.

Nas ruas do Rio, o povo reagiu ao saque com uma quadrinha irônica: “Olho vivo/ e pé ligeiro/ vamos a bordo/ buscar o dinheiro”.

O Globo