Há 62 anos não se fazia acusação tão grave a um presidente

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Foto: CRISTIANO MARIZ/Agência O Globo

O depoimento do hacker Walter Delgatti à CPI do 8 de janeiro coloca o ex-presidente Jair Bolsonaro como o líder de um grupo organizado para dar um golpe de Estado. O então presidente seria o chefe de um bando. Ao vivo: CPMI do 8 de janeiro ouve hacker Walter Delgatti Neto; acompanhe Para encontrar algum paralelo na história republicana a uma acusação dessa gravidade contra um chefe de Estado é preciso recuar até agosto de 1961. Naquela ocasião, o governador da Guanabara, Carlos Lacerda, acusou o presidente Jânio Quadros de tramar um golpe, tendo como articulador o ministro da Justiça, Pedroso Horta. Não houve tempo nem ocasião para apurar se isso seria verdade ou não, porque Jânio renunciou no dia seguinte.

Delgatti, ressalve-se, é um criminoso. A acusação contra Bolsonaro parte de um criminoso, que está preso e negociando delação premiada. Esse ponto por si leva a se encarar o depoimento com alguma reserva, mas ainda assim o que o hacker relatou é estarrecedor. E as consequências para Bolsonaro podem ser letais. Delgatti afirmou que Bolsonaro pessoalmente teria pedido para violar o sistema da justiça eleitoral, de forma a demonstrar uma suposta vulnerabilidade das eleições presidenciais e impedir a sua realização dentro das normas legais. O então presidente, segundo o hacker, teria colocado o delinquente em contato com o Ministério da Defesa e com o comando do Exército. Mais: Bolsonaro teria acenado com um indulto futuro. Não ficou nisso: Delgatti também disse ter ouvido de Bolsonaro, em uma conversa telefônica, a informação de que ele teria recebido o conteúdo de um grampo contra o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Alexandre Moraes, feito por agentes estrangeiros. O presidente teria pedido para Delgatti assumir a autoria do grampo. Disse, rindo, que se um juiz mandasse prender o hacker o então presidente mandaria prender o juiz. O depoimento deve vitaminar a CPI, que nas últimas semanas vinha se tornando um palco para antigas autoridades do governo Bolsonaro construírem suas narrativas. Sem falar no picadeiro promovido por deputados bolsonaristas, que chegaram a comer melancias no depoimento do general Gonçalves Dias. A comissão se transformaria em instrumento para gerar engajamento nas redes. Vai se criando no país um ambiente favorável para um mandado de prisão contra o ex-presidente. O cerco contra ele vai se fechando em duas frentes: a de acusação de peculato, pela questão das joias, e a de conspiração por um golpe de Estado, por outro. Como a Justiça não toma decisões em função de “clima favorável”, ou pelo menos não deveria fazê-lo, a consequência imediata deve ser a desmobilização dos aliados do presidente, com impacto direto sobre as eleições de 2024 e 2026. A médio prazo, uma prisão por eventual condenação criminal poderá ser vista como natural, e não como perseguição política. As Forças Armadas, sobretudo o Exército, são definitivamente arrastadas para a crise. Um provável depoimento do general Paulo Sérgio Nogueira Oliveira, ex-ministro da Defesa, é diferente de uma sessão para ouvir o tenente coronel Mauro Cid. Se ele falar, estará falando sobre o que fez no exercício de sua função. O hacker disse ter ido ao Ministério da Defesa cinco vezes.

Valor Econômico