Advogado diz que Mauro Cid romperá silêncio
Foto: Cristiano Mariz/O GLOBO
Vestido com um short verde-oliva, tênis esportivo e sem camisa, o tenente-coronel Mauro César Barbosa Cid deixou às 10h20m de ontem a sala onde está preso há 110 dias no Batalhão de Polícia do Exército de Brasília para tomar o banho de sol. Escoltado por um colega militar armado, o ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro se dirigiu a uma pista de corrida. Cabisbaixo, seguiu à risca a rotina de cerca de uma hora de exercícios, correndo em volta de um campo de futebol.
Pouco tempo depois, Cid retornou para a sala de cerca de 20 metros quadrados onde está preso desde 3 de maio, quando a Polícia Federal descobriu que o militar havia fraudado o Sistema Único de Saúde (SUS) para emitir certificados de vacinação contra a Covid-19. O local é equipado com cama, armário, mesa de apoio, frigobar, além de um aparelho de TV, no qual costuma acompanhar o noticiário — boa parte dele tomado nos últimos dias pelas suspeitas envolvendo o nome do tenente-coronel, que tentou vender um Rolex recebido por Bolsonaro em uma viagem oficial.
É no espaço onde está preso que Cid recebe quatro refeições diárias, as mesmas servidas no quartel: café da manhã, almoço, lanche e jantar. De vez em quando, pode comer pratos feitos por familiares, os únicos visitantes autorizados pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), desde junho. Antes dessa restrição, o militar recebeu 73 pessoas em sua cela, sendo 41 delas militares, como o ex-ministro da Saúde e deputado federal Eduardo Pazuello (PL-RJ) e o coronel da ativa Jean Lawand Júnior, investigado junto com Cid num inquérito que apura uma trama golpista.
— Preso ninguém fica bem. Mas, até aquele momento que eu o visitei, embora com todas as limitações de uma pessoa presa preventivamente, ele ainda estava de moral alta, tranquilo, preparando as questões da defesa — conta o general da reserva e senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS).
Após realizar exercícios diários, o tenente-coronel se dedica a longos períodos de leitura, desde livros até calhamaço de documentos de seus processos. Esquadrinha linha por linha e faz anotações para auxiliar a sua defesa nos seis inquéritos em que está na mira da Polícia Federal.
Uma dessas investigações, envolvendo o vazamento de informações sigilosas de um inquérito utilizado por Bolsonaro para atacar as urnas eletrônicas, resultou na quebra do sigilo de mensagens de Cid. Com esses dados, policiais descobriram outras suspeitas de irregularidades, envolvendo de saques em espécie de cartões corporativos da Presidência da República a diálogos com teor golpista e tentativa de venda de joias que pertenciam ao patrimônio público.
Há duas semanas, agentes cumpriram mandados de busca e apreensão na casa do pai de Cid, o general da reserva Mauro César Lourena Cid. Um novo inquérito apontou que os dois são suspeitos de negociarem joias, incluindo um Rolex, recebidos pelo ex-presidente de autoridades estrangeiras durante viagens oficiais.
As revelações recentes abalaram o tenente-coronel na prisão, de acordo com relato de pessoas próximas. Há uma semana, o tenente-coronel trocou de advogado pela segunda vez e contratou o criminalista Cezar Bitencourt, que, ao assumir o caso, indicou uma possível responsabilização de Bolsonaro na venda do Rolex. Depois, porém, o defensor mudou o tom e deu versões desencontradas.
Cid se reuniu duas vezes com o novo advogado, com quem conversou por cerca de seis horas ao todo. Como procedimento padrão, os que chegam até a sala onde o militar está preso têm que depositar celulares e armas em um escaninho, se deixarem fotografar e ainda preencherem com dados pessoais e assinatura um caderno.
Com Cid, os visitantes ficam em uma sala onde há uma mesa retangular e quatro cadeiras. Na última sexta-feira, o oficial também recebeu representantes da CPI dos Atos Antidemocráticos da Câmara Legislativa do Distrito Federal, onde ele é aguardado para prestar depoimento nesta quinta-feira.
— Mauro Cid é um militar forte, preparado, treinado para transpor situações difíceis. Ele terá uma postura colaborativa e segue confiante na sua defesa, mas só irá falar no momento certo — afirma Bitencourt, que procurou o gabinete do ministro Alexandre de Moraes para colocar o militar à disposição para esclarecer todos os fatos. Os dois devem ser reunir hoje.