Além de tudo, reprimir 8 de janeiro custou caro
Foto: Adriano Machado – 8.jan.2023/Reuters
Relatórios elaborados pelo Batalhão de Choque da Polícia Militar do Distrito Federal (PM-DF) e enviados à CPI do 8 de janeiro detalham a falta de cooperação e até mesmo os obstáculos que teriam sido impostos por membros do Exército durante os ataques ocorridos em Brasília.
Os documentos mostram, ainda, que a repressão aos golpistas teria exigido uma resposta e um volume de recursos “sem precedentes”, resultando em R$ 805.083,12 gastos com o uso de munições químicas para conter os manifestantes.
“Na história recente, a última referência era a manifestação do dia 24 de maio de 2017 [no governo de Michel Temer], na qual foram utilizadas aproximadamente 900 munições de elastômero [balas de borracha]. Na manifestação do dia 8 de janeiro, utilizaram-se por volta de 3.500 munições de elastômero”, afirma a PM, em um dos relatórios.
A menção à atuação do Exército surge no relato do então primeiro-sargento Beroaldo José de Freitas Júnior, que após os atos golpistas foi promovido a subtenente. São deles os vídeos que circularam à época e que mostram membros do Exército sendo repreendidos por um integrante do Choque.
Diz um trecho do relato do então primeiro-sargento Júnior: “Nos aproximamos da guarita do Palácio do Planalto, onde um pelotão do Exército Brasileiro encontrava-se pronto e equipado; solicitei ajuda dos mesmos para nos auxiliar contra a turba, mas recebi a seguinte resposta: ‘não podemos atuar’. Insisti para que pelo menos abrisse a grade/portão de acesso para que o pelotão de choque pudesse se abrigar ali e diminuir, mesmo que de forma precária, o ataque ferrenho que enfrentávamos. E, novamente, recebi como resposta que não podiam nos ajudar,”
“Diante da aparente inércia do Exército Brasileiro, e já que meu comandante imediato segundo-tenente Marco Teixeira estava orientando e combatendo junto à linha de choque, resolvi arrebentar a grade com chutes e consegui um espaço na grade de proteção de aproximadamente um metro de largura, onde conduzi a tropa de choque por aquela passagem para a extensão menos conflagrada; já na área (interna) do Palácio do Planalto, onde reorganizamos a tropa e nos salvamos de um massacre certo, com essa atitude, forçamos o Exército a combater os vândalos também”, continua.
Júnior foi um dos três PMs do Distrito Federal derrubados da cúpula do Congresso Nacional por manifestantes, sofrendo uma queda de quase dois metros da altura, segundo relatório feito dias após os ataques golpistas.
Sigilosos, os documentos obtidos pela coluna trazem imagens de viaturas danificadas pelas ações dos golpistas e fotografias de ferimentos causados na tropa. As conclusões dos relatórios são baseadas em informações prestadas por comandantes, patrulheiros, motoristas, atiradores e escudeiros.
Em mais de uma passagem, integrantes do Choque rememoram a desvantagem do efetivo em relação ao número de manifestantes, bem como o esgotamento de munições e armas químicas.
“Ficamos obrigados a recuar mesmo contra nossa doutrina, pois fomos superados de forma desproporcional ao efetivo empregado, que era de dez escudeiros, dois atiradores e três operadores químicos”, diz o relatório do Choque enviado à CPI.
Ao todo, a PM teve 87 materiais extraviados, incluindo 78 munições, dois carregadores de pistola, uma chave de um veículo, dois capacetes e até mesmo uma máscara contra gases. Algemas também foram roubadas pelos golpistas.
No mês passado, a Polícia Federal prendeu comandante da Polícia Militar do Distrito Federal, Klepter Rosa Gonçalves, e outros integrantes da corporação.
Integrantes da cúpula da PM à época do 8 de janeiro foram denunciados pela PGR (Procuradoria-Geral da República) sob suspeita de omissão no dia dos ataques aos prédios dos três Poderes.
Segundo a PGR, a investigação constatou que havia “profunda contaminação ideológica” entre os oficiais da corporação. A PGR afirmou ainda que integrantes do comando da PM se mostraram adeptos “de teorias conspiratórias sobre fraudes eleitorais e de teorias golpistas”.