O que é bom para ganhar eleições será mau para governar

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A ascensão de Bolsonaro representa a quebra do padrão de campanha presidencial no país desde 1994 e aponta para uma questão instigante: o que é bom para ganhar eleições pode ser mau para governar.

A campanha de 2018 caracterizou-se por mobilização de clivagens sociais, hiper-personalização da campanha (que ocorreu sem mediações institucionais relevantes, salvo de igrejas, e uso intenso das mídias sociais), e a ausência de qualquer apelo a questões programáticas.

Essa quebra é intuitiva, mas poucos pesquisadores analisaram campanhas presidenciais de forma comparada. A tarefa é empreendida por Taylor Boas, professor da Universidade de Boston, em “Presidential campaigns in Latin America: electoral strategies and success contagion” (campanhas presidenciais na América Latina: estratégias eleitorais e propagação de sucesso, Cambridge University Press, 2016). O autor analisa os casos do Brasil, Chile e Peru, examinando o conteúdo da campanha eleitoral na TV nas eleições presidenciais.

No livro, as campanhas presidenciais são analisadas a partir de três dimensões: a existência de mobilização de clivagens sociais (étnicas, povo contra elite, etc); a conexão buscada com o eleitor (“linkages”: se pessoal/direta ou mediada por organizações como partidos, etc); e o grau de foco programático da campanha. Métricas complexas são usadas para quantificar o conteúdo da propaganda eleitoral.

Para Boas, um novo padrão de campanha foi introduzido no Brasil, em 1994, no qual há forte conteúdo programático, escassa mediação institucional e baixo apelo a clivagens. Segundo sua estimativa, quase 80% do conteúdo de campanha do PSDB (2002) e PT (2006) focaram políticas de governo (ante 30% no Chile).

O padrão se difundiu por “contágio do sucesso”: a campanha bem sucedida de FHC, em 1994, foi imitada pelo PT em virtude da boa avaliação subsequente do governo. O inverso ocorreu com Collor. O padrão populista de campanha baseada em baixo apelo programático e intensa mobilização de clivagens (os descamisados contra as elites), foi banido após sua debacle.

A campanha de 2014 não é analisada pelo autor, mas foi afetada pelo julgamento do Mensalão (2012) e os protestos de junho de 2013, e prenuncia 2018. O duplo choque representado pelo impeachment e a Lava Jato desmantelou o padrão anterior.

Os fatores que permitiram a vitória de Bolsonaro –o antipartidarismo radical, a mobilização de clivagens e o “linkage” direto com o eleitor– representam vulnerabilidades que aflorarão após a lua de mel presidencial. As semelhanças com Collor são visíveis mas houve aprendizado: o estilo presidencial já mudou e a montagem do ministério já reflete isso.

Da FSP