Às vésperas do natal, Covas aprova reforma que tira dinheiro de servidores
Em uma sessão marcada por empurra-empurra e troca de acusações entre vereadores, a Câmara Municipal aprovou a reforma da previdência paulistana em primeira votação na madrugada deste sábado (22).
Prioridade da gestão Bruno Covas (PSDB), a proposta prevê aumentar a alíquota de 11% para 14% para os servidores e estabelece um sistema de previdência complementar para quem ganha acima do teto de aposentadoria (R$ 5.645,80) do INSS.
Para que seja implementado, o projeto ainda precisa passar por segunda votação na Câmara, o que deve acontecer na quarta-feira (26), um dia após o Natal, e ser sancionado pelo prefeito.
Entre os 55 vereadores, 33 votaram favoravelmente e 16 se manifestaram contra. O projeto precisava de 28 votos para ser aprovado. Os vereadores Camilo Cristófaro (PSB), Celso Jatene (PR), Conte Lopes (PP), David Soares (DEM), Patrícia Bezerra (PSDB) e Ota (PSB) não compareceram à votação.
Gargalo de diversas prefeituras pelo país, a previdência dos servidores na capital paulista tem um déficit estimado atualmente em R$ 6 bilhões e que cresce cerca de R$ 700 milhões a cada ano.
Ao assumir a prefeitura, em abril, Covas disse que, se a reforma não fosse feita, os impostos teriam que ser aumentados.
Como adiantado pela Folha, o projeto de reforma da previdência de Covas apresentou duas novidades em relação a suas versões anteriores: a retirada da mudança no modelo de financiamento dos benefícios e a possibilidade de utilizar os recursos advindos de privatizações para pagar o rombo da previdência municipal, que foi vetada pelos próprios vereadores da base aliada.
No sistema atual, de repartição simples, os trabalhadores da ativa custeiam os benefícios de aposentados atuais.
O plano original do governo Covas era adotar um sistema de capitalização para os novos funcionários públicos, no qual cada um teria uma conta individual, para que a previdência fosse autossustentável no futuro, sem depender da contribuição de outros servidores.
Na prática, a mudança evitaria a necessidade de complementação de verba do poder público no futuro, mas a gestão Covas avaliou que o custo de transição de um regime para outro seria muito alto, e que os efeitos de resolução do déficit seriam incertos.
Segundo cálculos da prefeitura, a elevação da alíquota e a adoção de um sistema de previdência complementar, que continuam no projeto, gerariam R$ 370 milhões a mais de recursos anualmente.
Pelo projeto original, o déficit (que hoje aumenta em R$ 700 milhões por ano) pararia de crescer em 2025, atingindo um ponto de equilíbrio —e só acabaria em 2092, quando não haveria mais funcionários nesse sistema.
Com a proposta mais branda, no entanto, sem a reestruturação do sistema, não haverá equacionamento natural do déficit.
A gestão Covas tem repetido que os recursos da prefeitura estão presos a gastos obrigatórios e não existe margem para investimentos, o que justificaria a necessidade da reforma.
Ao marcar as votações para datas próximas às festas de fim de ano, a base aliada de Covas tentou desmobilizar os servidores municipais contrários à reforma.
Diferentemente do que aconteceu em março, quando o projeto foi retirado da pauta da Câmara após intensa pressão dos funcionários públicos, que fizeram greves e levaram mais de 30 mil pessoas às ruas para protestar, nesta sexta-feira (21) um número menor de servidores protestou na frente da sede do Legislativo, no centro de São Paulo.
“Os professores estão mobilizados. Mas eles sabem que todo mundo marcou de viajar, ver a família. Quem marcou vai fazer como, se já pagou a passagem, por exemplo?”, disse Regina Costa, há cinco anos professora de escola municipal e cuja a idade é “segredo de Estado”, que participava da manifestação ao lado de três carros de som.
No plenário da Câmara, os desentendimentos foram acalorados. As galerias do espaço ficaram divididas entre servidores, contrários à reforma, e militantes dos partidos Novo e PSDB, favoráveis.
A troca de gritos de guerra se estendeu durante o dia: “reforma é confisco”, “fora, Itaú” e “quem votar não volta”, de um lado, e “Lula na cadeia”, “eu vim de graça” e “a culpa é do PT”, de outro. Em momentos mais tensos, xingamentos pesados não faltaram.
A vereadora Sâmia Bomfim (PSOL), crítica ao projeto, envolveu-se em ásperas discussões com os colegas Janaína Lima (Novo) e Fernando Holiday (DEM), que o defendem. Holiday subiu ao espaço da mesa diretora da Câmara para dizer que Sâmia estava estourando o tempo de sua fala e foi confrontado pelo vereador Toninho Vespoli (PSOL).
Eles dirigiram gritos e acusações um ao outro, e chegaram a trocar peitadas. O vereador membro do MBL deixou, então, o plenário, e o cenário se acalmou momentaneamente.
Horas depois, o presidente da Câmara, Milton Leite (DEM), pediu que guardas municipais retirassem do plenário servidores que participavam de audiência pública sobre a reforma e se recusavam a sair.
A medida gerou rebuliço: guardas tiraram um servidor à força, e servidoras contaram com o apoio de vereadores petistas, como Eduardo Suplicy e Juliana Cardoso, para não serem carregadas para fora do plenário. Líder do PT na Câmara, o vereador Antonio Donato se aborreceu com guardas que filmavam o entrevero e tentou tirar das mãos deles seus celulares. Na sequência, pediu desculpas.
A proposta da gestão Covas de utilizar o dinheiro levantado por meio da venda de bens, como o complexo do Anhembi ou o autódromo de Interlagos, para cobrir a “insuficiência financeira” do regime previdenciário acabou sendo mal recebida pelos vereadores.
Em 2017, eles aprovaram projeto de lei que previa que os recursos de desestatizações seriam destinados a investimentos em áreas como saúde, educação, transporte, habitação, assistência social e mobilidade urbana, e não iriam para custeio.
Após pressão dos próprios aliados, o Executivo tirou o artigo que tratava do uso do dinheiro das privatizações na previdência. A prefeitura também tirou do projeto de lei a reestruturação do Iprem, instituto responsável pela administração da previdência municipal.
Os recursos liberados pela reforma devem ser usados para cobrir o buraco dos gastos na saúde municipal. Nos próximos anos, pouco deve sobrar para investir em novas obras —a atual gestão se concentra em acabar as deixadas pela gestão de Fernando Haddad (PT).
Ao fim da votação, os vereadores Donato e Holiday se estranharam. Donato afirmou que o vereador do DEM é “um pit bull nas redes sociais e aqui é um poodle”. Os dois tiveram que ser separados por outros vereadores.
O secretário da Casa Civil de Covas, João Jorge (PSDB), que assumiu o mandato de vereador para ajudar na votação da reforma, comemorou a aprovação do projeto, mesmo que abrandado.
“Criamos um novo regime, que é o mais importante. Ou seja, quem entrar no sistema a partir de agora vai respeitar o teto do INSS. Essa é a grande mudança e o aumento da alíquota que vai nos dar uma resposta imediata aos cofres públicos, de R$ 400 milhões por ano”, disse.
O líder do governo na Câmara, vereador Fabio Riva (PSDB), afirmou que a retirada do trecho que permitia o uso do dinheiro de privatizações para bancar a previdência “não terá impacto nenhum”.
Ele também rebateu as críticas sobre o fato de o governo ter escolhido o Natal para votar o projeto. “Não foi na calada da noite. É um projeto que vem sendo discutido há alguns meses. E quando criou a comissão de estudos, se determinou um prazo de até 30 dias. Esse prazo terminou com a votação do relatório final nesta semana”, disse.
Presidente de sindicato de profissionais da educação, o vereador Cláudio Fonseca (PPS) mostrou pessimismo sobre a possibilidade de reverter o cenário e fazer com que o projeto não seja aprovado em segunda votação na quarta-feira (26).
“Muito difícil, porque o governo consolidou maioria de votos hoje, alegando para os vereadores que ao aumentar a contribuição previdenciária haverá dinheiro para resolver o problema da demanda escolar. Não vão faltar mais vagas nas creches ou leitos hospitalares e não teremos mais buracos nas ruas porque aumentaram a alíquota dos servidores”, disse.
Líder do PT na Câmara, Donato conseguiu abrir negociações com o governo para incluir abonos salariais para as categorias mais baixas do funcionalismo público como uma forma de compensar o aumento de alíquota.
“Os servidores de salários mais baixos não podem perder três pontos percentuais. Vamos tentar repor essa perda por meio do abono salarial. O confisco por meio do aumento de alíquota será para sempre, mas pelo menos em 2019 queremos minorar o sofrimento desses trabalhadores”, afirmou.
Da FSP