Homossexual, no Brasil, é cidadão de segunda classe

denúncia

Na noite da última quarta-feira, o SBT, após veicular a novela que vem esquentando o debate político no país por versar sobre um tabu, os crimes da ditadura militar, inovou mais uma vez apresentando um programa sobre a situação dos homossexuais no Brasil. Analisando o que foi mostrado, não se pode deixar de reconhecer que eles são cidadãos de segunda classe.

Se você chegou ao segundo parágrafo deste texto é porque, como o seu autor, preocupa-se com os direitos civis das minorias por entender que respeitá-los é preservar os direitos de todos, pois todos podemos ser minoria em algum momento de nossas vidas, seja do ponto de vista político, religioso, social, econômico etc. Assim sendo, vale interromper a leitura deste post para assistir ao programa do SBT clicando aqui.

Em seguida, peço que volte a este texto, pois tenho muito mais a lhe dizer.

Se voltou, é porque está levando a sério este assunto. Então, ainda que lhe pareça que há pouco a acrescentar após as cenas às quais acaba de assistir, garanto que há muito a dizer, ainda. Em primeiro lugar, há que informar que não existe nenhuma isenção de impostos para homossexuais – eles pagam todos os impostos que pagam os heterossexuais, mas não têm os mesmos direitos.

O programa do SBT mostra um casal de atores interpretando homossexuais em uma rua movimentada de São Paulo. Notem que os rapazes meramente demonstram afeto um pelo outro – seguram-se as mãos e se abraçam contidamente. Não estão fazendo nada mais do que qualquer casal heterossexual faz o tempo todo na via pública sem ter qualquer problema.

As reações vêm de todas as partes. No começo, são apenas gracejos e insultos. Em seguida, são “ordens” para que se “contenham”. Finalmente, começa uma agressão física – atiram um objeto pesado na direção da cabeça de um dos “homossexuais” que não o atinge, mas passa perto.

Se um negro começar a ser ofendido pela cor da sua pele, quem ofender pode ser preso em flagrante ou denunciado à polícia. A lei 7.716/89, conhecida como Lei Caó, pune criminalmente a discriminação racial. Com os homossexuais não acontece a mesma coisa. Podem insultá-los à vontade em plena via pública e não acontecerá nada.

Aliás, há casos de homossexuais constrangidos pela polícia por trocarem um simples beijo. Na USP, há alguns anos, duas garotas foram expulsas por policiais de um local interno da universidade simplesmente porque deram um beijo de “selinho”.

Não é proibido ser homossexual. O que a lei veda é “atentado ao pudor” por prática de atos sexuais em público. Ponto. Um beijo discreto na boca não é um abuso, é normal. Milhões de casais heterossexuais trocam “selinhos” todo o tempo e nada lhes acontece. Se homossexuais fizerem isso, correm enorme risco de ser constrangidos até pela polícia, sem falar na violência.

Se você assistiu aos vídeos, ouviu o apresentador homossexual de TV Leão Lobo dizer que não pediu para ser homossexual, mas que nasceu assim. Mas viu, também,  os homofóbicos mascarados dizerem o contrário, que os homossexuais “escolheriam” ser o que são.

É uma tremenda bobagem. A expressão orientação sexual é a única apropriada para se referir ao comportamento do homossexual. Preferência ou opção sexual são termos que não servem porque a ciência vem demonstrando fartamente que gostar do sexo oposto, do mesmo sexo ou de ambos os sexos não é escolha, é instinto.

A orientação sexual não-heterossexual foi removida da lista de doenças mentais dos EUA em 1973 e do CID 10 (Classificação Internacional de Doenças), editado pela OMS (Organização Mundial da Saúde), em 1993. Um instituto sueco, por exemplo, comprovou que o cérebro de um homossexual masculino se assemelha ao de uma mulher. A pesquisa foi publicada na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS).

Antes de tudo, como se vê, a homofobia é produto da ignorância gerada pela falta de ensino pelas escolas do que são as variações de orientação sexual dos seres vivos, pois mamíferos irracionais também apresentam comportamento bissexual.

Legalmente, portanto, os homossexuais têm menos direitos. Apesar de haver projetos no Congresso propondo para os casais homossexuais os mesmos direitos que os dos casais heterossexuais, tais projetos estão emperrados porque os políticos temem a profunda homofobia em que está mergulhada parte da sociedade brasileira.

Os países mais civilizados do mundo, no norte da Europa, aboliram todas as desvantagens cidadãs dos homossexuais. Nesses países, as escolas já vão, desde cedo, ensinando as crianças sobre o que é a homossexualidade e ensinando-as a conviverem com as diferenças. E não há um só relato de que alguma dessas crianças tenha se tornado homossexual por causa disso.

O que mais choca no programa, no entanto, são os brutamontes homofóbicos e mascarados aludirem a “Deus” ao justificarem seus comportamentos brutais, desumanos e, aliás, anticristãos, pois o cristianismo – ou qualquer outra crença – jamais admitiu o uso da violência de um ser humano contra outro por causa nenhuma.

Todo homofóbico afirma que não quer violência contra os homossexuais, mas se dois rapazes ou duas moças dão um “selinho” na via pública e a multidão começa a apupá-los, está simplesmente dando a senha para atos de violência, que, como mostram os vídeos do programa do SBT, não tarda a decorrer desses apupos.

A Constituição de 1988, em vigor, proíbe qualquer forma de discriminação. Define como “objetivo fundamental da República (art. 3º, IV) promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer outras formas de discriminação”. A expressão “quaisquer outras formas” refere-se a todas as formas de discriminação não mencionadas explicitamente no artigo, tais como a orientação sexual.

O Projeto de Lei da Câmara (PLC) 122/2006, atualmente em tramitação no Congresso, propõe a criminalização dos preconceitos motivados pela orientação sexual e pela identidade de gênero, equiparando-os aos demais preconceitos já objetos da Lei 7716/89, que criminaliza o racismo. Esse projeto foi iniciado na Câmara dos Deputados em 2001 e até hoje está parado.

Segundo pesquisa telefônica conduzida pelo Data Senado em 2008 com 1.120 pessoas em diversas capitais, 70% dos entrevistados declararam-se a favor da criminalização da homofobia no Brasil. A aprovação é ampla em quase todos os segmentos, no corte por região, sexo e idade. Mesmo o corte por religião mostra uma aprovação de 54% entre os evangélicos, 70% entre os católicos e adeptos de outras religiões e 79% dos ateus.

Apesar disso, o Brasil ainda é um país em que persiste uma mentalidade medieval que decorre de um sistema de ensino atrasado e que, assim, produz aberrações como a criação de cidadãos de segunda classe, os quais têm que cumprir todas as obrigações dos cidadãos de primeira classe apesar de terem bem menos direitos.