Nos Estados Unidos, Lei de Liberdade de Informação está em risco

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Quando começou a investigar uma possível fraude nos repasses de um programa social do governo americano, o repórter Jonathan Ellis não imaginava que o caso chegaria à Suprema Corte e colocaria em risco a lei de acesso à informação no país.

Em fevereiro de 2011, o jornalista solicitou ao Departamento de Agricultura dos EUA dados sobre o Programa de Assistência Nutricional Suplementar (Snap), que paga um valor mensal para que pessoas de baixa renda comprem alimentos considerados nutritivos.

O repórter do jornal Argus Leader, de Dakota do Sul, desconfiava que havia um esquema ilegal na distribuição de verbas aos estabelecimentos comerciais filiados ao Snap.

Pediu então detalhes sobre as empresas por meio da Lei de Liberdade de Informação (Foia, na sigla em inglês) —legislação federal que exige acesso total ou parcial a documentos do governo dos EUA mediante solicitação.

Sob o argumento de que se tratava de informação confidencial de negócios, porém, o governo se recusou a divulgar os dados pedidos por Ellis. “Para mim, era informação padrão sobre gastos do governo”, disse o repórter ao CPJ (Comitê de Proteção aos Jornalistas).

O jornal, por sua vez, decidiu processar o Departamento de Agricultura e, após oito anos de disputa judicial, o caso chegou nesta semana à Suprema Corte americana.

Na manhã de segunda-feira (22), os juízes ouviram os argumentos das partes para, em última análise, decidir o que constitui “informação comercial confidencial” nos registros do governo dos EUA. O resultado do julgamento é esperado até o meio do ano.

Segundo analistas consultados pelo CPJ, a preocupação é o debate acontecer em uma corte conservadora e pró-empresas, que pode limitar a lei de acesso à informação e, consequentemente, a liberdade de imprensa no país.

Depois que o presidente Donald Trump indicou Brett Kavanaugh para um das nove vagas do tribunal, em 2018, o plenário formou maioria de não progressistas.

Trump, inclusive, investe desde sua campanha eleitoral numa retórica de ataques a jornalistas e a veículos de comunicação que publicam o que ele considera negativo para a sua imagem ou a do seu governo.

Durante a sessão da segunda, os juízes debateram a abrangência da lei federal e os limites para o emprego do termo confidencial em casos como este. “Um dos objetivos da Foia era tornar pública a informação independentemente da disposição oficial”, afirmou a magistrada Ruth Bader Ginsburg.

Já o juiz Neil Gorsuch disse que o termo confidencial aparecia com outra definição em passagem do texto da própria lei. “Por que devemos dar dois significados diferentes à mesma palavra?”.

Representante do governo Trump no caso, o advogado Anthony Yang disse que o governo havia garantido aos varejistas que pagamentos do programa ficariam sob sigilo.

Na sequência, foi questionado por Ginsburg sobre essa promessa não estar prejudicando o alcance da Foia.

O argumento do jornal no processo é que o público tem direito de saber como o governo gasta os cerca de US$ 65 bilhões que destina ao programa todos os anos.

O Departamento de Agricultura desistiu do caso em 2017 após não conseguir convencer um juiz de primeira instância de que divulgar os dados causaria danos à concorrência dos varejistas.

Mas a gigante alimentícia FMI (Food Marketing Institute), que representa as principais varejistas americanas, decidiu recorrer e levou o processo à Suprema Corte.

A FMI, que fala também pela Câmara de Comércio dos EUA, quer que o tribunal adote uma definição mais ampla que permita para aplicar o selo confidencial a determinadas informações. Existem exceções à Foia para a divulgação de dados —uma delas considera secreto números que envolvam operações financeiras.

O debate, no entanto, vai além da estreita disputa sobre a divulgação desses dados específicos, mas o quanto as agências do governo podem se recusar a divulgar esse tipo de informação.

A decisão de mérito pode indicar a direção que uma Suprema Corte cada vez mais conservadora tomará ao interpretar a lei de acesso à informação americana.

De Folha de SP