Apenas com votos de homens, Alabama aprova veto ao aborto até em casos de estupro
O Senado estadual do Alabama (sudeste dos Estados Unidos) aprovou na terça-feira (14) uma medida que proíbe quase todos os abortos no Estado, apresentando um verdadeiro desafio à decisão do caso Roe x Wade, em 1973, quando a Suprema Corte reconheceu o direito constitucional da mulher a interromper a gravidez.
A legislação proíbe abortos em qualquer fase da gravidez e criminaliza o procedimento para médicos, que poderão ser acusados de crime grave e enfrentar até 99 anos de prisão. Ela inclui uma exceção para os casos em que a vida da mãe corre sério risco, mas não casos de estupro ou incesto –tema de forte debate entre legisladores nos últimos dias.
A lei foi aprovada com os votos de 25 senadores, todos eles homens, brancos e membros do Partido Republicano. A casa tem 35 assentos, dos quais apenas quatro são ocupadas por mulheres.
A Câmara aprovou a medida —a mais ampla iniciativa no país neste ano para reduzir o direito ao aborto— no mês passado. Agora ela vai para a governadora Kay Ivey, republicana. Embora ela não tenha se comprometido publicamente a assinar a lei, muitos legisladores republicanos esperam seu apoio.
Em um email na terça-feira à noite (14), uma porta-voz da governadora, Lori Davis Johns, disse que Ivey “evitará comentários até que tenha a oportunidade de rever totalmente a versão final da lei aprovada”.
Adversários prometeram contestar a medida na Justiça federal se ela virar lei. Até os defensores da legislação esperam que um tribunal inferior bloqueie a medida. Mas ela foi redigida exatamente levando isso em conta. Os arquitetos da proibição, refletindo a crescente confiança dos críticos ao aborto em todo o país depois da nomeação de Brett Kavanaugh para a Suprema Corte, esperam que os juízes usem o caso para reconsiderar a tese central em Roe x Wade e permitam que a medida do Alabama entre em vigor.
“Até agora não havia perspectiva de reverter [a decisão do caso] Roe”, disse Eric Johnston, fundador da Coalizão Pró-Vida do Alabama e seu presidente, que passou mais de 30 anos tentando proibir o aborto.
Johnston, que redigiu a lei do Alabama e se considera um purista sobre a questão, disse que não apoia a série de leis restritivas que outros Estados aprovaram nos últimos meses, incluindo as chamadas leis do batimento cardíaco fetal. Estas basicamente proíbem o aborto a partir de seis semanas após a concepção, época em que muitas mulheres ainda não sabem que estão grávidas.
Diante das atuais inclinações da Suprema Corte, disse Johnston, fazer dessa medida, que não contesta diretamente o caso Roe, o tema do próximo grande caso de aborto do tribunal seria uma oportunidade desperdiçada.
“Por que não ir até o fim?”, perguntou ele.
Democratas e defensores do direito ao aborto dizem que a medida do Alabama levaria o procedimento para o subsolo, pondo em perigo a vida de mulheres e meninas e afetando de modo desproporcional as cidadãs pobres e de minorias.
“Queremos que os abortos sejam seguros, e queremos que sejam poucos, mas deve ser legalizado, porque haverá abortos”, disse a senadora democrata Linda Coleman-Madison, uma das quatro mulheres no Senado de 35 membros.
“As pessoas que têm meios irão para outros Estados”, acrescentou ela. “Nem todo mundo pode pagar por isso.”
O Senado discutiu a lei de novo na terça-feira depois que a primeira tentativa de discutir a medida, na semana passada, acabou em gritos e caos. As tensões cresceram, inclusive no Partido Republicano, que detém a maioria, sobre se deveriam ser incluídas exceções à proibição em casos de estupro e incesto. Uma comissão do Senado emendou o projeto para incluir essas exceções, provocando uma dura disputa que adiou a consideração da lei durante dias.
Mesmo assim, o destino da lei nunca esteve muito ameaçado, e não demorou para que a proposta voltasse ao Senado. Ela foi aprovada depois que legisladores rejeitaram a emenda sobre estupro e incesto.
O senador republicano Clyde Chambliss, que patrocinou a lei no Senado, defendeu a retirada dessas exceções. “Quando Deus cria o milagre da vida no útero de uma mulher”, disse ele, “não cabe a nós como seres humanos extinguir essa vida.”
Outras medidas do Estado para restringir os direitos ao aborto avançaram no sul e no centro-oeste dos Estados Unidos neste ano e geraram disputas legais. Os governadores de Geórgia, Kentucky, Mississipi e Ohio já assinaram leis sobre batimento cardíaco fetal. E o Arkansas mudou o limite para abortos legais para 18 semanas de gravidez, contra 20 anteriormente.
A medida do Alabama, porém, vai mais longe. Além da potencial pena de 99 anos por realizar abortos, os médicos enfrentam a ameaça de uma pena de dez anos por tentar realizar um. As mulheres que se submeterem a aborto não serão penalizadas.
O momento de qualquer litígio sobre a lei é incerto. Adversários da medida pretendem afirmar que o Alabama terá restringido injustamente um direito que os tribunais confirmaram diversas vezes desde o caso Roe.
O Alabama, um Estado conservador onde os republicanos controlam o Legislativo, tentou repetidamente criar limites ao aborto. Em 2018, os eleitores aprovaram por grande maioria uma emenda à Constituição do Alabama declarando que a “política pública deste Estado é reconhecer e apoiar a santidade da vida não nascida e os direitos das crianças não nascidas, incluindo o direito à vida”.
No passado, legisladores estaduais impuseram um período de espera de 48 horas para abortos; obrigaram as mulheres a receber aconselhamento antes de passar pelo procedimento; e exigiram que menores tivessem autorização dos pais ou tutores para fazer um aborto.
Reforçados pela aprovação da emenda constitucional estadual, os legisladores começaram este ano com uma estratégia muito mais agressiva.
O senador republicano Greg Reed, que é o líder da maioria no Senado, disse em um comunicado depois da votação na terça-feira que a medida “simplesmente reconhece que um bebê não nascido é uma criança que merece proteção –e apesar dos melhores esforços dos proponentes do aborto esta lei será aprovada porque os alabamenses se posicionam firmemente a favor da vida”.
Os defensores do aborto assumiram uma visão mais sombria.
“Hoje é um dia escuro para as mulheres no Alabama e em todo o país”, disse Staci Fox, presidente e executiva-chefe da entidade de planejamento familiar Planned Parenthood Southeast Advocates.
“Proibir o aborto é muito ruim, prender médicos por oferecer tratamento vai além dos limites. Os políticos do Alabama viverão para sempre na infâmia por essa votação, e vamos garantir que toda mulher saiba quem foram os responsáveis.”
Da FSP