No Brasil, 26% acham que homem que fica em casa para cuidar dos filhos é ‘menos homem’

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De 27 países analisados ao redor de todo o mundo, o Brasil é o terceiro que mais concorda com a afirmação “um homem que fica em casa para cuidar dos filhos é menos homem”. Na pesquisa, realizada pela Ipsos em parceria com o Instituto Global para a Liderança Feminina do King’s College London, do Reino Unido, aproximadamente um quarto dos brasileiros (26%) afirma acreditar nessa afirmação.

Não há diferença significativa de opinião entre homens e mulheres, mas a faixa que registra o maior percentual de concordância com a frase é a de pessoas em cargos de decisão, liderança ou executivos sêniors: 35% deles acham que um homem que exerce a paternidade ativa perde masculinidade.

— Muitas pessoas ainda entendem, infelizmente, que cuidar de crianças é uma tarefa feminina — lamenta Hildete Pereira de Melo, professora de Economia da Universidade Federal Fluminense (UFF) com pesquisas na área de História das Mulheres, Trabalho e Cuidados. — Está no imaginário que o filho é da mulher, e não do homem. Entende-se ainda que a ligação dos homens é com a parceira sexual, não com as crianças.

Hildete destaca que toda a economia do cuidado — como é chamado o conjunto de trabalhos relacionados a tomar conta de crianças, idosos e do lar, por exemplo — é estritamente ligada às mulheres.

— A teoria econômica clássica costuma ignorar esse aspecto, não tem nada a dizer sobre a divisão de trabalho por gênero. Isso passa ao largo dos textos clássicos.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as mulheres dedicaram em 2018, em média, 21,3 horas por semana com afazeres domésticos e cuidado de pessoas, o dobro do que os homens gastaram com as mesmas tarefas — 10,9 horas.

Para a economista da UFF, o fato de a afirmação de que “homem que cuida dos filhos é menos homem” ser tão frequente entre as mulheres quanto entre os homens deixa claro como os estereótipos de gênero foram interiorizados por boa parte da população feminina.

— As mulheres introjetaram que a família é uma ocupação delas. Da porta de casa para dentro, o poder é delas, são elas que mandam. É, na verdade, o único espaço em que elas têm poder, então é até natural que elas tomem isso para si e até vejam com bons olhos ter esse domínio. As mulheres são educadas para prestar esse serviço — destaca Hildete. — Há o senso comum de que a mãe é a “rainha do lar”. É como uma compensação. Mas é uma compensação que eu não quero. E que cada vez menos mulheres querem. Com as lutas feministas, isso esta evoluindo, mas aos poucos.

Países que mais concordam que ‘homem que cuida dos filhos é menos homem’:

1º – Coreia do Sul

2º – Índia

3º – Brasil e África do Sul (empatados)

Países que menos concordam com a afirmação:

1º – Sérvia

2º – Holanda

3º – Colômbia

O estudo foi feito em 27 países, com 18.800 entrevistados, sendo 1 mil brasileiros, entre os dias 21 de dezembro de 2018 e 4 de janeiro de 2019.

Entre os países incluídos na pesquisa, cinco são da América Latina. Quando comparados a eles, o Brasil é o que tem os maiores índices de, digamos, aprovação da desigualdade de gênero. Mesmo que indiretamente.

A nossa vizinha Colômbia, por exemplo, está entre as três nações qué mais são contra a ideia de que um homem perde parte da masculinidade por ficar em casa cuidando dos filhos.

— Estamos numa realidade mais conservadora — afirma o porta-voz da Ipsos, Rafael Lindemeyer.

Para ele, que é diretor de clientes da empresa, o que é chamado de paternidade ativa tem quatro níveis: o prático (trocar fralda, dar banho), o emocional (o lado psicológico de assumir novo papel), o de transformação pessoal e o de transformação de outros homens (“Porque eles podem ver que é possível ser homem dessa nova maneira”).

Além de perguntar sobre a relação entre cuidar dos filhos e exercer a masculinidade, a pesquisa perguntou aos entrevistados sobre o dever de empresas e empregadores oferecerem flexibilidade para que os pais equilibrem o cuidado com as crianças e a vida profissional.

O resultado foi que 59% dos brasileiros concordam que a empresa deve fazer isso; 31% disseram discordar que isso é importante (10% disseram não ter opinião formada).

— Queríamos saber como as pessoas avaliam a curta licença-paternidade. Será que elas acham importante que as empresas flexibilizem essa licença para o homem exerça seu papel de pai? A resposta, em sua maiora, foi positiva, mas com uma grande parcela ainda discordando. E, entre os donos de negócio ou líderes, 42% discordam. Ou seja, o negócio é mais importante do que o incentivo para o homem exercer o papel de pai — diz Rafael.

Ele ressalta que, apesar de mudanças positivas dos últimos anos, o caminho para a igualdade, com o fim de padrões de comportamento esperados de acordo com gênero, ainda é longo.

— Eu tenho 43 anos e me lembro de, 30 anos atrás, quando eu estava na cozinha lavando louça, minha avó dizer: “Esse menino é para casar”, como se eu merecesse um louvor por aquilo. Como se aquela tarefa não fosse exigida de mim e, por isso, eu merecesse destaque — recorda-se ele. — Isso mudou nos últimos anos, mas a gente ainda vive uma realidade em que as variáveis inseridas têm como arcabouço a desigualdade.

De O Globo