‘Malu Mulher’ não votaria em Bolsonaro, afirma Daniel Filho, criador da série, que completa 40 anos
“Bate, bate bastante. Mata. Mas é a última vez que você encosta em mim.” Essa frase é dita por Malu, papel de Regina Duarte, para o então marido Pedro Henrique, personagem de Dennis Carvalho, no primeiro episódio de “Malu Mulher”.
A série da Globo, que foi ao ar em 1979, marcou a televisão brasileira por abordar temas do universo feminino até então considerados tabus, como separação, sexo, orgasmo, violência doméstica, menstruação, aborto, virgindade, entre outros.
No capítulo de estreia, que foi ao ar no dia 24 de maio, há exatos 40 anos, Malu descobre uma traição do marido. Na briga, ele dá um bofetão em Malu, que decide pedir o desquite –a Lei do Divórcio, de 1977, estabelecia o período de três anos de separação judicial para só então o casal requerer a conversão do desquite em divórcio, que só poderia ser solicitado uma única vez. A legislação foi alterada em 1988 diminuindo esse período para um ano –só em 2010 foi extinta a necessidade de uma prévia separação.
Em uma época em que o Brasil ainda vivia sob a censura da ditadura militar (1964-1985), e uma mulher desquitada de 30 e poucos anos era vista com preconceito, “Malu Mulher” foi considerada uma revolução, um programa de vanguarda, que conseguiu sintetizar esse sentimento de uma nova geração de mulheres, que não queria mais viver à sombra do homem.
Malu era uma mulher de ideias liberais, que lutava contra o machismo do marido e da sociedade. Para contar essa história, o diretor e criador da série, Daniel Filho, 81, fez questão que Regina Duarte, 72, até então conhecida pelo rótulo de “namorada do Brasil”, fizesse o papel principal.
“A escolha de Regina Duarte era muito importante para mim. Como ela era tão querida como a menina, a namoradinha da novela das oito, eu queria colocá-la como uma desquitada, tomando porrada do marido. Isso ia tocar direito nas pessoas. Briguei bastante para que ela fizesse o papel”, conta em entrevista à Folha.
Inicialmente, segundo ele, Regina recusou, porque não queria ficar longe dos filhos –ela morava em São Paulo, e a série seria gravada no Rio de Janeiro. “Mas Boni [o diretor José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, então considerado o todo poderoso da Globo] a convenceu e a série foi um sucesso imediato.”
Em meio à polarização das eleições presidenciais de 2018, a atriz declarou voto ao então candidato Jair Bolsonaro (PSL) e afirmou em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo que o político era “um cara doce, um homem dos anos 50, um jeito masculino, machão”. Em resposta, o crítico de TV Nilson Xavier fez uma provocação em seu blog no UOL: “Malu Mulher votaria em Bolsonaro?”
Questionado pela Folha, Daniel Filho é categórico: “É claro que não. Malu Mulher não votaria em Bolsonaro”.
Crítico ao atual governo, que “acha péssimo”, Filho, que na época de Malu Mullher era casado com Regina Duarte, diz que não consegue entender a mudança de viés político da atriz. “Regina e eu fomos juntos para Cuba, e fomos recebidos pelo próprio Fidel Castro […]”, relata, aos risos.
“Simplesmente não entendo. Compreendo que não tem o porquê de as pessoas serem firmes para sempre, mas não entendo essa mudança dela para a direita, assim dessa forma. Ela era de esquerda mesmo, eu continuo [sendo de esquerda]”, afirma.
O diretor lembra que, para a criação de “Malu Mulher”, ele reuniu um grupo de autores, roteiristas e produtores em encontros em sua casa. Regina também participou e levou a amiga, a ex-primeira dama Ruth Cardoso (1930-2008), que era socióloga. “A Ruth participou de dois encontros e foi ela quem deu a profissão da personagem Malu: socióloga.”
Procurada, Regina Duarte não atendeu aos pedidos da reportagem para uma entrevista sobre a série.
De Folha/Uol