Nota de Moro critica crime que ele mesmo cometeu contra Dilma
Leia a coluna de Leonardo Sakamoto, jornalista, cientista político, professor na PUC-SP, blogueiro do UOL, diretor da Repórter Brasil e conselheiro no Fundo da ONU contra Escravidão.
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“Bessias” diria que é a suprema ironia Moro reclamar de vazamento ilegal
“A violação criminosa das comunicações de autoridades constituídas é uma grave e ilícita afronta ao Estado.”
A frase não é da defesa de Dilma Rousseff, na época autoridade constituída, quando teve uma conversa telefônica com Lula interceptada e gravada pela Polícia Federal e divulgada pelo então juiz Sérgio Moro em março de 2016. Era o famoso caso do diálogo em que ela avisou que “Bessias” levaria o termo de posse de ministro-chefe da Casa Civil para o ex-presidente. Além do levantamento do sigilo telefônico, o que já era um problema em si, a conversa ocorreu mais de duas horas após estipulado o fim do grampo. Ou seja, sua captação e, consequente, utilização foi ilegal. O impacto da divulgação na época impediu a nomeação e contribuiu para deslanchar o impeachment no Congresso Nacional.
A declaração acima, na verdade, está na nota pública divulgada pelo Ministério Público Federal no Paraná, neste domingo (9).
Ela veio ao ar poucas horas depois do site Intercept publicar uma série de reportagens mostrando que o então juiz Sérgio Moro orientou ações da operação Lava Jato por mensagens de Telegram com o procurador da República Deltan Dallagnol. O Intercept afirma ter recebido uma massiva quantidade de informação, com as cópias das trocas de mensagens, através de uma fonte anônima.
“A democracia em uma sociedade livre exige que os governados saibam o que fazem os governantes, mesmo quando estes buscam agir protegidos pelas sombras.”
Quem escreveu isso não o MPF-PR agora, mas o então juiz Sérgio Moro, também em março de 2016, ao defender sua decisão de levantar o sigilo sobre grampos que registraram conversas entre a então presidente Dilma Rousseff e Lula. Ao se justificar, Moro afirmou que o levantamento do sigilo “propiciará não só o exercício da ampla defesa pelos investigados, mas também o saudável escrutínio público sobre a atuação da administração pública e da própria Justiça criminal”.
As reportagens do Intercept mostram que Deltan Dallagnol e Sérgio Moro trocaram mensagens antes de levantar o sigilo sobre os áudios.
“Ninguém deve ter sua intimidade – seja física, seja moral – devassada ou divulgada contra a sua vontade.” A frase continua sendo da nota do MPF, deste domingo, e não da defesa de Dilma ou de Lula.
Sérgio Moro, hoje ministro da Justiça e Segurança Pública do governo Jair Bolsonaro, e a força tarefa da operação Lava Jato serão cobrados a dar mais explicações, não só pelas informações já divulgadas, mas pela quantidade de material explosivo que o Intercept promete trazer a público.
De antemão, contudo, não é possível ignorar a gigantesca ironia de ver Moro e a Lava Jato questionarem a legalidade de vazamentos que seriam frutos de “grampo” ilegal.
Perdoem-me os terraplanistas, mas realmente o mundo dá voltas.