Moro e Dallagnol mandaram lei às favas também no caso Odebrecht. Surpresa?

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Na Folha:
Mensagens trocadas pelo então juiz e hoje ministro Sergio Moro com o procurador Deltan Dallagnol em 2016, quando o Ministério Público Federal negociava a delação da Odebrecht, sugerem que eles ignoraram limites estabelecidos pela legislação para proteção de pessoas e empresas interessadas em colaborar com a Justiça.

De acordo com as mensagens, publicadas nesta semana pelo site The Intercept, o procurador que chefia a força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba repassou ao então juiz federal informações sigilosas fornecidas pelos delatores da empresa ao Ministério Público e recebeu conselhos sobre a melhor forma de encaminhá-las.

Na época, Dallagnol tinha firmado com os representantes da Odebrecht um termo de confidencialidade que o obrigava a manter as informações sob sigilo até que um acordo fosse assinado e homologado pela Justiça, segundo advogados que participaram das negociações.

Além disso, a legislação não previa para Moro nenhum papel a ser exercido naquele momento. Embora ele fosse responsável pelos processos da Lava Jato em Curitiba e cinco executivos da Odebrecht estivessem presos por ordem sua, ele não era parte das negociações —e nem deveria ser.

A Lei das Organizações Criminosas, de 2013, que fixou regras para a negociação de acordos de colaboração premiada, exige o sigilo, diz que juízes não devem participar das negociações e define como obrigações deles apenas a verificação e a homologação dos acordos, depois que são assinados.

O sigilo e o distanciamento do juiz são necessários para dar segurança aos delatores. “O juiz não pode participar das tratativas do acordo de colaboração, para não perder a imparcialidade necessária para julgar o processo ao final”, diz o advogado André Callegari, autor de um livro recém-lançado sobre o tema.

Conforme as mensagens publicadas pelo The Intercept, Dallagnol tratou da delação da Odebrecht com Moro em duas ocasiões. Segundo o site, cópias das mensagens trocadas pelo procurador com o juiz no aplicativo Telegram foram fornecidas por uma fonte anônima.

De acordo com o material divulgado, Dallagnol enviou a Moro em 21 de junho de 2016 um resumo dos primeiros relatos apresentados pelos advogados da Odebrecht aos procuradores, incluindo os nomes de 32 políticos incriminados pelos colaboradores da empreiteira.

A lista incluía o então presidente Michel Temer (MDB) e seus antecessores petistas, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, além do então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (MDB-RJ), e do então senador Aécio Neves (PSDB-MG), hoje deputado. De acordo com a mensagem, a delação da Odebrecht citava 150 políticos.

Alguns nomes já tinham vazado para a imprensa na época, mas a lista ia muito além. Conforme levantamento feito pela Folha no noticiário de junho de 2016, somente 10 dos 32 nomes da lista de Dallagnol já haviam aparecido em jornais e revistas como citados pelos colaboradores.

Em 15 de dezembro, duas semanas depois de fechar o acordo com a Odebrecht, Dallagnol enviou a Moro outro resumo, segundo o The Intercept. A nova mensagem não tinha nomes, mas indicava o alcance da colaboração ao afirmar que incriminava 301 políticos brasileiros, incluindo 41 deputados e 21 senadores, e 72 estrangeiros.

Nesse dia, os delatores da Odebrecht ainda estavam prestando depoimentos aos procuradores e reunindo provas para corroborar seus relatos, e o material ainda não havia sido enviado ao ministro Teori Zavascki, relator dos processos da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal.

Como a maioria dos políticos citados pela delação tinha direito a foro especial, coube ao STF homologar todos os acordos e distribuir a outras instâncias do Judiciário, como a vara federal que Moro presidia em Curitiba, os casos que não envolvessem políticos com foro no Supremo.

Segundo as mensagens divulgadas pelo The Intercept, nas duas ocasiões Moro expressou a Dallagnol preocupação com as dificuldades que o Judiciário teria para investigar e julgar tantos casos, o que se confirmou mais tarde com a lentidão do andamento dos processos no STF.

“Acredito que a revelação dos fatos e abertura dos processos deveria ser paulatina […] segundo gravidade e qualidade da prova”, opinou o juiz em junho, segundo o site. “Muitos inimigos e que transcendem a capacidade institucional do mp e judiciário”, observou em dezembro.

Havia limites à atuação de Moro e Dallagnol nessa época. Como a homologação da delação era responsabilidade do Supremo e o encaminhamento do material cabia à Procuradoria-Geral da República, eles tinham que esperar para saber quais casos seriam transferidos para Curitiba.

Coube a Moro homologar depois o acordo de leniência fechado pela Odebrecht com o Ministério Público Federal e autoridades dos Estados Unidos e da Suíça na mesma época, que incorpora as informações fornecidas pelos executivos que se tornaram delatores.

O acordo de leniência, que impôs à Odebrecht multa de R$ 3,8 bilhões, era necessário para que ela voltasse a participar de licitações e fazer negócios com o setor público, e para que funcionários subalternos cujo envolvimento com os crimes admitidos pela empresa era menos relevante ficassem livres de ações penais.

Na opinião de advogados consultados pela Folha, que só aceitaram discutir a situação sob anonimato, a quebra de sigilo indicada pelo material publicado pelo The Intercept põe em xeque a credibilidade da força tarefa de Curitiba como interlocutora de boa fé em negociações desse tipo.

Para dar uma ideia dos riscos envolvidos, um deles lembrou que o termo de confidencialidade assinado pela Odebrecht com os procuradores previa que informações fornecidas durante as negociações não seriam usadas contra ninguém se eles não chegassem a um acordo.

O objetivo era impedir que elas causassem prejuízo à empreiteira, aos seus executivos e mesmo a terceiros sem que eles tivessem os benefícios alcançados com a delação premiada, como redução de penas e condições brandas para cumpri-las.
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Do UOL.