Para Huck, Tabata mostra que a velha política não quer renovação
Apoiador do Acredito e do RenovaBR, duas das organizações que impulsionaram Tabata Amaral (PDT-SP), o apresentador e empresário Luciano Huck cobrou respeito à deputada federal e, em entrevista à Folha, defendeu os movimentos de renovação política, dos quais é entusiasta.
“Mais uma vez, nesse episódio da votação da reforma da Previdência, a velha política mostra o quanto não quer a renovação. Está fazendo de tudo para calar as vozes, neutralizar as ideias e seguir ancorada no passado”, afirmou.
Ele, que esteve perto de se candidatar à Presidência da República em 2018 e é considerado desde então nome provável da corrida ao Planalto em 2022, rebateu ainda a declaração do ex-ministro Ciro Gomes (PDT) de que os grupos independentes são “partidos clandestinos”.
O apresentador da TV Globo não é filiado a partido, mas cultiva boas relações com membros de legendas como Cidadania (antigo PPS), Rede, PSDB e DEM. Desde 2017, ele faz parte do Agora!, grupo suprapartidário que incentiva a oxigenação política.
Na entrevista, concedida por email (ele está em férias com a família fora do Brasil), Huck disse acompanhar a evolução do imbróglio detonado pelo voto favorável de Tabata e de outros deputados à reforma, em desacordo com a orientação das siglas.
Tanto PDT quanto PSB, outro partido que fechou posição contrária ao projeto, iniciaram processos que podem culminar na expulsão dos dissidentes, que representam cerca de 30% em ambas as bancadas. Felipe Rigoni (ES), também participante do Acredito e do Renova, está entre os alvos no PSB.
A Folha perguntou a Huck se ele via as declarações de Ciro em apoio à saída de Tabata do partido e os ataques dele aos movimentos de renovação como uma tentativa do pedetista de antagonizar com o apresentador, antecipando-se a uma possível disputa eleitoral em 2022.
“Imagino que não”, ele respondeu. “Existem mil maneiras de resolver divergências. A melhor delas é através do diálogo.”
“No mais, desrespeitar publicamente uma mulher, jovem, idealista e corajosa, como é o caso da Tabata, não me parece a mais inteligente das estratégias se a ideia fosse antagonizar comigo. E o Ciro é um homem muito inteligente”, acrescentou.
Huck disse ainda que a parlamentar nascida na periferia de São Paulo”por mérito se formou em uma das melhores universidades do mundo[Harvard] e, em vez de ir para o mundo dourado da iniciativa privada, resolveu servir, se lançando na vida pública”.
Ciro falou que Tabata “cometeu um erro indesculpável” contra “o povo mais pobre” ao marcar sim à reforma. Ele tem reiterado que, apesar de defender a desfiliação, mantém o respeito à parlamentar. No domingo (14), o presidente nacional do PDT, Carlos Lupi, disse não existir nenhuma “palavra da direção do PDT ofendendo a honra dela”.
Em sua coluna na Folha, publicada naquele dia, Tabata havia escrito, em crítica aos partidos: “Ofensas, ataques à honra e outras tentativas de ferir a imagem tomam lugar do diálogo. Exatamente o que vivo agora”.
A estreante enfrenta uma série de pressões desde que anunciou o voto a favor do texto que modifica as aposentadorias. Nas redes sociais, virou meme e foi alvo de xingamentos como “traidora da esquerda” e “vendida”.
O apresentador não quis comentar a decisão encaminhada pelo PDT de negar legenda em futuras eleições a candidatos apoiados por movimentos como o Acredito. Trata-se de “questão interna deles”, despistou.
MOVIMENTOS LÍCITOS
Huck disse endossar o conteúdo da nota divulgada nesta semana pelo Renova que alfineta Lupi, ao afirmar que “há partidos políticos que, nos últimos 15 anos, estão sob o comando da mesma pessoa”. O pedetista assumiu a condução da sigla em 2004.
O apresentador até repetiu frases do comunicado. Indagado sobre a imagem de ilegalidade que tem sido associada aos movimentos, colou o trecho: “Nossa iniciativa não é clandestina. Possui registro. Possui sede. Possui propósitos”.
Argumentou ainda, da mesma forma que aparece no texto do Renova, que a Constituição garante plena “liberdade de associação para fins lícitos”. Huck é uma espécie de garoto-propaganda da escola de formação de políticos e aparece na lista de doadores que ajudaram a financiá-la em 2018.
Detratores veem problemas na forte influência do empresariado nas principais entidades que pregam a renovação, sob a justificativa de que o patrocínio acabaria por contaminar a atuação dos apadrinhados.
“A elite brasileira é muito passiva. Imagina que os problemas do país irão se resolver por geração espontânea. Não irão”, disse o contratado da Globo, diante de pergunta sobre o tema.
“Se não colocarmos a mão na massa, ninguém o fará por nós. A elite tem que ser parte da solução. Vivemos em um dos países mais desiguais do planeta, e, mesmo com todos os esforços do terceiro setor, só os governos têm força exponencial para mexer no ponteiro da redução de desigualdade. E o governo é formado por políticos. Por isso precisamos de bons políticos”, raciocinou.
Segundo o apresentador, parte dos ricos, “graças a Deus”, já entendeu que, se não custear a formação de novas gerações de gestores públicos, deixará o país “patinando eternamente no mesmo lugar”.
“Não vou entrar no mérito entre esquerda ou direita. Não quero discutir ideologias ou bandeiras. O fato é que, para a renovação política brasileira, não faltarão ideias. E, com a implementação das reformas necessárias, também não faltarão recursos”, disse.
“Nossa maior deficiência será capital humano”, pontuou. “Nunca se falou tanto de política no Brasil, mas daí a convencer gente de bem e competente a servir é uma distância enorme.”
Na opinião dele, mesmo com dificuldades, “sementes muito importantes” foram plantadas no ano passado. “Gente capacitada, com bandeiras e ideologias diversas —e, principalmente, com o sarrafo da ética na altura correta—, teve a coragem de se lançar na vida pública”, descreveu.
E desfiou uma lista de nomes de vários partidos que ganharam empurrão de movimentos.
Além de Tabata e Rigoni, ele citou como frutos dessa cena os deputados federais Kim Kataguiri (DEM-SP), Marcelo Calero (Cidadania-RJ), Luiz Lima (PSL-RJ), Tiago Mitraud (Novo-MG), Vinicius Poit (Novo-SP) e Joenia Wapichana (Rede-RR) e o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE).
“A velha política, durante todo o processo eleitoral, se aproveitou para dar um lustre de renovação e juventude bebendo na fonte desses movimentos. Prometeu mundo e fundos, inclusive liberdade de pauta, mas não entregou. Nem durante a eleição nem agora”, afirmou o apresentador.
REAÇÃO ORGANIZADA
Huck disse que acompanha “de perto” a articulação de organizações que preparam uma reação aos partidos depois do episódio dos infiéis. A coalizão, puxada pelo Acredito e pelo Transparência Partidária, planeja divulgar um manifesto em defesa da reformulação das legendas.
O Agora! também está na linha de frente das conversas. A mobilização incluirá um projeto de lei com propostas como a definição de mandatos para dirigentes de legendas, num esforço para combater a perpetuação de caciques no poder.
“Estou seguro de que o objetivo dessa frente é contribuir ativamente, de forma positiva e construtiva, para a vida política no Brasil”, comentou Huck.
“Os partidos políticos têm de deixar de ser meros aglutinadores de nomes com interesses unicamente eleitoreiros e passar a reunir grupos de matrizes ideológicas parecidas, mas com ideias diferentes, éticos, e querendo servir no tempo e significado corretos desse verbo”, afirmou.
O apresentador explicou ainda não ver necessidade da criação de um partido que pudesse contemplar as demandas dos movimentos de renovação. “Temos alguns bons partidos. E parte deles já percebeu a necessidade de se reinventar para valer. Não só da boca para fora, e de maneira oportunista.”
Apesar de sentir as legendas com “medo da renovação”, ele considera possível um resultado positivo a partir dos embates em andamento —tanto entre partidos e deputados quanto entre legendas e movimentos.
Huck disse esperar que as discussões “pautem e inspirem debates produtivos para se discutir uma relevante e necessária reforma política, mais uma entre as tantas de que precisamos”.
Da FSP