No Rio, verba para população de rua e usuários de drogas despenca
O abandono das ruas, que agrava o quadro de violência no Rio, pode ser traduzido em números. Os investimentos em assistência social — que abrange atendimentos a sem-teto e a usuários de droga que vivem perambulando pelo estado — despencaram nos últimos anos. Dados obtidos pelo GLOBO nos portais de transparência públicos revelam que o governo estadual previa para este ano uma despesa de R$ 118,3 milhões para dez programas da área de assistência social, mas remanejou os valores, deixando apenas R$ 4,1 milhões — ou 3% do total — para a função. No ano anterior, de um total de R$ 119 milhões previstos, foram efetivamente executados R$ 69 milhões. Já a Secretaria municipal de Assistência Social, empregou, em 2016, R$ 461 milhões. No ano seguinte, o valor caiu para R$ 374 milhões, e, em 2018, ficou em R$ 353 milhões. Em dois anos, a queda foi de 23%.
O resultado da míngua orçamentária pode ser visto num passeio pela cidade. Sem-teto vivem sob viadutos, marquises e até em buracos de galerias pluviais. No domingo, um morador de rua, em surto, matou a facadas duas pessoas. Ele costumava dormir embaixo do Viaduto Saint Hilaire, no acesso ao Túnel Rebouças, de onde chegou a ser expulso por outras pessoas que, como ele, também vivem na região. Muitos têm histórico de uso de drogas. Mas os perfis são desconhecidos porque, desde 2018, a prefeitura não faz um censo quantitativo e qualitativo sobre essa população. A Defensoria Pública estima que hoje cerca de 15 mil pessoas vivem nas ruas.
Sem emprego
Às margens do Canal do Mangue, na escuridão do acesso da Avenida Presidente Vargas para a Avenida Francisco Bicalho, mora há 30 anos o carioca Jorge Alberto Ananias, de 49 anos. Ele conta que vive de biscates e de doações de religiosos. Ao contrário de outros que são levados para a sarjeta pelas drogas, Jorge foi parar à beira do mangue pela crise, sobretudo pela falta de emprego.
— Depois de largar a escola, o único emprego de verdade que tive foi entre os 17 e 19 anos, como serralheiro. Nunca tive carteira de trabalho. Depois disso, por ganhar muito pouco, saí da casa da minha avó e decidi viver de maneira independente. Sobrevivo catando as sobras das feiras de rua e recolhendo latinhas — diz.
No sistema de acompanhamento financeiro do estado, não consta qualquer repasse este ano para centros de recuperação social, para projetos de assistência social e para a prevenção, o acolhimento e a reinserção do usuário de drogas. O valor remanejado da pasta deveria ter ido para projetos de gestão e informação sobre drogas; proteção especial a criança, adolescente e adulto usuários de drogas; e para a proteção social especial à população de rua com histórico de dependência química.
O deputado estadual Luiz Paulo Corrêa da Rocha (PSDB), presidente da Comissão de Tributação da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), disse que a queda acentuada do investimento do estado em assistência social, considerando os principais programas da função, compromete a pretensão do governador Wilson Witzel de retirar as pessoas das ruas.
— Pelos números, nem um real foi aplicado. Ou seja, o que está se verificando é que o governo não tem investido nada na assistência ao usuário de drogas que está nas ruas. Onde está o dinheiro para o estado comprar comida? Pagar funcionário, assistente social? E as viaturas para fazer o recolhimento? — pergunta Luiz Paulo.
A defensora pública Carla Beatriz Nunes Maia, do Núcleo de Defesa de Direitos Humanos, disse que, apesar de o estado não aplicar os recursos necessários, a atribuição de acolhimento é da prefeitura:
— Na esfera estadual, o orçamento deveria ser muito maior. Mas a competência para o abrigamento é do município, que deveria fazer um investimento massivo em serviço social.
Estado diz ter orçamento
Em nota, o secretário estadual de Governo, Cleiton Rodrigues, informou que a atual gestão mantém, como forma complementar às ações da prefeitura, dois polos de atendimento com profissionais multidisciplinares, como 200 pacientes ativos. Segundo ele, este ano, a previsão de orçamento da Subsecretaria de Prevenção à Dependência Química é de R$ 745 mil.
A prefeitura também vem gastando menos em abrigos para moradores de rua. Em 2018, o valor total investido foi de R$ 52,3 milhões, 11% a menos do que os 58,7 milhões aplicados em 2016. A verba para acolhimento de crianças e adolescentes usuários de drogas despencou de R$ 7,1 milhões em 2016 para R$ 1,9 milhão em 2018. A vereadora Teresa Bergher (PSDB), que já comandou a Secretaria municipal de Assistência Social, diz que hoje os abrigos e os centros de atenção psicossocial estão entregues às baratas.
— Eles parecem parques dos horrores, com falta de manutenção e baratas. Ninguém deveria se submeter a situações tão degradantes. Muitos moradores de rua aceitam ir para os abrigos, mas, por conta das péssimas condições, optam por voltar para as ruas — disse a parlamentar, que enviará um relatório sobre a situação ao Ministério Público do Rio.
Procurada, a assessoria de imprensa da prefeitura informou que a Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos é que deveria responder sobre a queda de orçamento. A pasta, por sua vez, afirmou que a resposta deveria ser dada pelo “órgão competente da prefeitura”.