PF alerta para mortes de indígenas com avanço do garimpo

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Foto: DANIEL MARENCO / AGÊNCIA O GLOBO

O avanço do garimpo ilegal no território ianomâmi, num ritmo sem precedentes nos últimos anos, pode provocar novas mortes em série na maior terra indígena do Brasil. O alerta foi feito pela Polícia Federal (PF), que cita, em um relatório, o risco de vir a ser cometido o crime de “genocídio”. Comete esse crime quem mata parte de, ou totalmente, um grupo étnico. O alerta da PF está registrado em inquérito que já resultou na prisão de 30 pessoas responsáveis por viabilizar a exploração do ouro. São proprietários de máquinas e aviões em Roraima que possibilitam o garimpo ilegal, onde atuam milhares de garimpeiros pobres ou miseráveis, muito próximos às aldeias dos ianomâmi. As investigações da PF seguem em andamento.

O GLOBO esteve dentro da reserva indígena, documentou a rotina frenética da retirada do ouro por meio de máquinas chamadas de “tatuzões” e retratou, em reportagem publicada no último domingo, o rastro de violência, tensão e destruição ambiental deixado pelo garimpo ilegal nos ianomâmi. A reportagem subiu o Rio Mucajaí, pontilhado de acampamentos onde ocorre a exploração ilegal do ouro. O Mucajaí, ao lado do Uraricoera, são os rios mais importantes para os ianomâmi em Roraima. A ação da PF se concentrou no garimpo ilegal nesses dois caudalosos cursos d’água no coração da floresta amazônica.

“A instabilidade causada pela presença dos garimpeiros pode gerar novos confrontos e genocídios contra os indígenas”, sustenta a PF na conclusão do relatório parcial sobre a atuação de grupos organizados que garantem a logística do garimpo ilegal. O Ministério Público Federal (MPF) denunciou integrantes desses grupos por enxergar a existência de uma “organização criminosa com tarefas bem definidas”, em basicamente cinco frentes: logística aérea, auxílio aos grupos de logística aérea, logística terrestre, centrais de radiofonia que funcionam com rádios dentro do garimpo e compradores de ouro. A Justiça Federal em Roraima aceitou a denúncia e, desde novembro do ano passado, oito investigados passaram à condição de réus. Outras investigações correm em sigilo.

Massacre em 1993

Ao falar em possibilidade de novas mortes em série, a PF faz uma referência ao assassinato de 16 ianomâmis, mortos em 1993 por garimpeiros que estavam na terra indígena, crime que ficou conhecido como Massacre de Haximu. A Justiça Federal condenou à prisão quatro garimpeiros por crime de genocídio, interpretado como o extermínio de um grupo étnico. A sentença foi confirmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2006.

Vinte e seis anos depois, a PF enxerga o mesmo risco, inclusive com um elemento em comum ao episódio ocorrido na década de 1990: um dos investigados na chamada Operação Tori é Pedro Emiliano Garcia, condenado à prisão por genocídio de 1993. Ele é o único com essa condenação que permanece vivo no Brasil, segundo lideranças indígenas.

“Pepe” ou “Prancheta”, os apelidos de Garcia no garimpo, continuou atuando, com operação de avião que faz frete para garimpeiros e trasporte de comida, propriedade de balsas para retirada do ouro e associação a mais quatro pessoas, entre sócios e piloto, como consta do inquérito da PF.

A investigação mostra que um dos sócios de Garcia chegou a ser piloto da Secretaria de Saúde Indígena (Sesai). Depois, ele passou a pilotar o avião de Garcia, garantindo o funcionamento do garimpo na terra dos ianomâmi, a exemplo dos outros investigados no esquema.

A PF elenca seis crimes cometidos por esses donos de aviões e maquinários: usurpação de bens da União, ao extrair ilegalmente o ouro; extração de recursos minerais sem autorização; permissão para que garimpeiros transportem ou armazenem substância tóxica ao meio ambiente e à saúde humana, como é o caso do mercúrio; fornecimento ilegal de armas e munições aos garimpeiros; lavagem de dinheiro; e organização criminosa. Segundo a PF, os grupos atuam de forma estruturada e com altos lucros, envolvendo donos de balsas e “tatuzões”, joalheiros, financiadores e donos de aviões.

Ao GLOBO, o advogado de Garcia, Alain Delon Jordão, diz que o garimpeiro já cumpriu a condenação por genocídio, com extinção da pena há mais de dez anos. De acordo com Delon Jordão, as acusações de que Garcia é dono de garimpo e de balsas, feitas em sucessivas investigações após a acusação de genocídio, ainda são inconclusas, sem sentença.

De O Globo