Bolsonaro já queimou o filme do Brasil

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Leia a coluna de Vinicius Torres Freire, jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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Antes de queimar a floresta, Bolsonaro já queimou o filme do Brasil

Fatos já não adiantam mais. Quer-se ouvir a voz de Jair Bolsonaro, os que odeiam e os que amam. Já pouco importa saber as causas e os motivos dos incêndios e dos desmatamentos horrendos de meados deste ano na Amazônia. Antes mesmo de incendiar a floresta, o presidente já queimou o filme do Brasil, dado o comportamento demente de seu governo de extrema-direita. Ao longo desta semana, Bolsonaro se tornou um sucesso mundial de falta de estima, de desprezo ou de raiva.

Em poucos meses, em especial nas últimas semanas derrubou duas décadas de melhorias na imagem internacional do Brasil no que diz respeito ao ambiente.

Era um progresso baseado em fatos como diminuição do ritmo de desmatamento, leis de proteção, adesão de parte das empresas rurais às razões ambientais, políticas socioeconômicas e diplomacia inteligente. Há decerto promessa de devastação de todos esses avanços. O desmatamento da razão e das instituições já começava, assim como há incentivo ao espírito de destruição desde a campanha eleitoral.

Mas Bolsonaro adiantou-se à ruína que alardeia ou prega, com suas palavras de profeta do apocalipse da razão.

Líderes políticos europeus, de organizações internacionais, de ONGs com grande sucesso de público e tuítes em massa, pelo mundo inteiro espalhavam o slogan “nossa casa está queimando”. Nossa casa, o planeta, a Amazônia. Desde gente e instituições sérias até pessoas ingênuas ou desinformadas que se ocupam da floresta como uma espécie de panda vegetal atacavam o autodenominado Nero das matas.

Os indícios de problemas sérios na Amazônia tornaram-se escândalo mundial porque Bolsonaro é um presidente que “prende e arrebenta” os fatos e o debate racional, porque causa ultraje, multiplica as crises.

Não se sabe por ora o tamanho da ruína político-diplomática que vai causar, na prática, mas já contribui para formar ou fortalecer coalizões que podem prejudicar os interesses brasileiros.

Protecionistas, ambientalistas, apenas gente adepta da democracia ou de relações civilizadas nas relações internacionais podem fazer uma frente comum.

A liderança centrista de Alemanha e França não vai desprezar o impacto político de Bolsonaro sobre os partidos “verdes”, que crescem em seus países. A reação ao acordo de Mercosul e União Europeia ganha reforço. O peso de um país tresloucado e selvagem em fóruns internacionais tende a diminuir.

Os meios de comunicação alemães mais importantes chegam a pedir sanções contra o Brasil, que corre o risco de se tornar um pária mundial porque assim se comporta seu governo.

O presidente torna-se um pária moral e intelectual em grandes partes do mundo civilizado porque é um sucesso no que se propõe a fazer. Isto é, deprezar dados, “especialistas e estudiosos”, instituições, acordos políticos e debates racionais; insultar países amigos; caluniar “isentões” e “esquerda”, em suma todos aqueles que não aderem ao líder, tal como acaba de fazer com ONGs ambientais, governadores do Norte e países amigos.

A crise diplomática apenas acirra o espírito de combate e o desprezo desvairado pelo pragmatismo mínimo. Seu governo acusa de conspiração “esquerdista” a mesma União Europeia que acaba de assinar um acordo com o Mercosul. Nada faz o menor sentido.

Bolsonaro arrastou a imagem do Brasil para este seu torvelinho inflamado de desrazão odienta. Nossa casa, o país inteiro, está queimando por sua causa.

Da FSP