Conselheiro do TCE-RJ estaria por trás do assassinato de Marielle
A procuradora-geral da República, Raquel Dodge , pediu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) acesso à investigação do assassinato da vereadora Marielle Franco e do seu motorista Anderson Gomes para apurar se há“indícios de autoria intelectual” por parte do conselheiro afastado do Tribunal de Contas do Estado do Rio (TCE-RJ)Domingos Inácio Brazão . Para Dodge, ele pode ter usado a estrutura de seu cargo público para obstruir as investigações do caso. Procurado, Brazão classificou de “absurda” a acusação.
Em seu parecer, Dodge ressalta que procuradores do Ministério Público Federal obtiveram indícios da participação de Brazão ao tomarem o depoimento do miliciano Orlando da Curicica , preso na Penitenciária Federal de Mossoró (RN) e que citou o conselheiro do TCE-RJ como um dos possíveis mandantes.
Como Brazão tem foro privilegiado por ainda ser conselheiro do TCE-RJ, os indícios de sua participação podem resultar no envio das investigações do homicídio para o STJ, o que iria transferir o inquérito, atualmente na Justiça Estadual, para a competência da Polícia Federal e da Procuradoria-Geral da República (PGR).
As afirmações constam de pedido sigiloso enviado pela PGR ao STJ para ter acesso às provas do inquérito da Polícia Federal sobre a obstrução das investigações de Marielle — que indiciou o miliciano Rodrigo Ferreira, o Ferreirinha , e a advogada Camila Moreira como envolvidos em uma trama para desviar o foco das investigações. Na última sexta-feira, o ministro Raul Araújo determinou que a 28ª Vara Criminal do Rio forneça o material.
Dodge escreveu que o objetivo do seu pedido de acesso aos autos é “apurar a existência de indícios de autoria intelectual do homicídio da vereadora Marielle Franco” por parte de Brazão. A PGR cita ainda que o conselheiro do TCE-RJ é “autoridade com prerrogativa de foro perante este tribunal (art. 105-1-a da Constituição), o qual, valendo-se do seu cargo público, também teria utilizado de pessoa e da estrutura de seu gabinete para interferir no rumo das investigações iniciais do duplo homicídio”.
A suspeita da PGR é que Brazão tenha utilizado o policial federal aposentado Gilberto Ribeiro da Costa, que era funcionário de seu gabinete no TCE-RJ, para atrapalhar as investigações do caso, plantando uma testemunha falsa. A investigação aponta suspeitas de que o conselheiro tenha ligação com o grupo miliciano conhecido como Escritório do Crime, que pode estar por trás do duplo homicídio.
O GLOBO revelou no último dia 15 de julho que a 28ª Vara Criminal do Rio negou um pedido para enviar as provas do caso Marielle para a PGR. Dodge escreveu ao STJ que essa negativa “obstrui o conhecimento do promotor natural, a procuradora-geral da República, de eventuais indícios da autoria intelectual de pessoa com prerrogativa de foro perante o Superior Tribunal de Justiça” e “mantém o grave estado atual de incerteza em relação aos mandantes do crime”.
Após ter o acesso autorizado aos autos , a PGR tem duas linhas de apuração que podem levar as investigações do caso para o STJ. A primeira é que, caso os indícios contra Brazão sejam considerados consistentes, Dodge pode pedir diretamente a abertura de investigação contra ele no STJ para apurar a suspeita de que o conselheiro do TCE-RJ seja mandante do crime. A segunda é suscitar no STJ um “incidente de deslocamento de competência”, que significaria federalizar as investigações.
Em seu pedido, Dodge fez críticas ao fato de ninguém ter sido até agora denunciado como mandante do duplo homicídio, ocorrido em março do ano passado.
O ministro Raul Araújo, em sua decisão, concordou com a argumentação da PGR e alertou para a gravidade do crime. “É fato notório a repercussão nacional do homicídio da vereadora Marielle Franco, e de seu motorista, Anderson Gomes, bem como a possibilidade de sua vinculação à grave violação de direitos humanos e ao livre exercício das atividades democráticas, uma vez que, segundo amplamente divulgado na imprensa, o crime estaria relacionado à atividade parlamentar da vereadora”, escreveu o ministro.
Procurado pela reportagem, o conselheiro Domingos Brazão classificou a acusação de “absurda”, disse que prestou esclarecimentos às autoridadese que está à disposição para colaborar com as investigações.
— Não sei a quem interessa insistir nesse absurdo. Já estive voluntariamente na sede da PF para prestar esclarecimentos na condição de testemunha e sempre me coloquei à disposição das autoridades aqui do Rio e reitero a minha disposição de colaborar. Espero que o mais breve possível os responsáveis pelas investigações possam vir a público dar satisfações a todos nós. É muita falta de respeito com as famílias tanto da vereadora quanto com a minha — afirmou.
De OGlobo