Metralhadora giratória de Dines é útil, a despeito do rancor

Análise

Em seis décadas de carreira jornalística, Alberto Dines (80) dirigiu e lançou revistas e jornais no Brasil e em Portugal. Leciona jornalismo desde 1963. Em 1974, foi professor visitante da Escola de Jornalismo da Universidade de Columbia, em Nova York.

Dines foi editor-chefe do Jornal do Brasil durante doze anos e diretor da sucursal da Folha de São Paulo no Rio de Janeiro. Dirigiu o Grupo Abril em Portugal, onde lançou a revista Exame.

Foi demitido do JB em 1984 por adotar, publicamente, posição contraria à da direção do jornal ao criticar a relação suspeita que dizia existir entre os controladores do veículo e o governo de então do Rio de Janeiro.

Escreveu vários livros sobre diversos assuntos, inclusive romances, e, após sair atirando de todos os veículos em que trabalhou, criou o site Observatório da Imprensa, o primeiro periódico de peso de crítica mídia no Brasil, que passou a ter versões no rádio e na televisão.

Atualmente, Dines também é pesquisador do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Unicamp.

Na última segunda-feira, no âmbito das reverências que lhe estão sendo feitas pelos seus oitenta anos de idade e sessenta de jornalismo, foi entrevistado pelo diário fluminense O Dia – o leitor poderá conferir a entrevista ao fim deste post.

Antes de abordar a sua interessantíssima entrevista, vale fornecer algumas informações laterais. Particularmente, este blogueiro tem uma dívida com Alberto Dines, ainda que ele não saiba disso. Você já entenderá por que, caro leitor.

Como sabem os que me leem há mais tempo, não sou jornalista por profissão; sou um comerciante que está jornalista, mas não profissionalmente – para ser profissional eu teria que ser pago para escrever. E foi através do Observatório da Imprensa que surgi no jornalismo… Ou, como quer Dines, “jornalismo”.

Foi tudo meio aos trancos e barrancos. Escrevia para colunas de leitores em jornais (Folha, Estadão, Jornal do Brasil e O Globo) e cheguei a ser o leitor mais publicado dos jornalões paulistas até que, após o estouro do escândalo do mensalão, passei a ser vetado em toda a grande imprensa.

Paralelamente às colunas de leitores, lá pelo fim dos anos 1990, havia organizado um embrião da blogosfera, as listas de e-mails. Havia poucas e a minha chegou a ter cerca de mil “assinantes”, o que, à época, era um espanto.

Foi assim que, sempre inconformado com uma imprensa que ia se tornando cada vez mais partidarizada, ideologizada e avessa ao contraditório – retornando às origens de sua história golpista ao lado da direita-, descobri o site Observatório da Imprensa através de seu programa na TV Cultura.

Apesar de, então – estamos falando do início da década passada -, julgar que não estaria à altura de escrever ao lado de jornalistas profissionais que já se rebelavam contra a crescente re-partidarização dos barões da mídia, arrisquei. Para minha surpresa, comecei a ver meus textos publicados pelo OI.

Lá, também, passei a conseguir considerável espaço. Por um bom período de tempo, meus textos saíam em quase todas as edições do Observatório, que tinha edições semanais.

O site de Dines começou a atrair outros não-jornalistas que já não suportavam mais uma imprensa que se tornara um verdadeiro partido político. Paralelamente ao estouro do escândalo do mensalão, porém, o Observatório e seu criador foram adotando uma linha análoga à da imprensa que criticavam.

Curiosamente, quem me fez criar um blog foi o Observatório de Imprensa. Em 2005, talvez um pouco farta das críticas que o site vinha recebendo, uma sua editora, com a qual trocava impressões por e-mail, sugeriu-me que criasse um blog, ferramenta que era novidade – o único blog de peso, então, era o do Ricardo Noblat.

Mais ou menos por volta de 2007, o Observatório estava caindo em descrédito porque Dines se tornara mero repetidor da lenga-lenga midiática sobre o mensalão, e a fazer coro com seus antigos patrões. Foi aí que acabou perdendo importância, que lhe foi literalmente tomada pela blogosfera.

Nos últimos dois ou três anos, porém, Dines foi voltando a ser crítico do PIG. Na entrevista que concedeu ao jornal O Dia ele dispara a sua metralhadora giratória não só contra a imprensa a que serviu, mas contra aqueles que tornaram o OI dispensável em termos de crítica da mídia.

Antes da reconversão atual, o OI se tornara “oficialista”, tendencioso em direção à mídia corporativa. Os comentários de leitores e os acessos foram minguando e migrando para a blogosfera, pois o público de Dines estava em busca de informação diferente, não igual à dos jornalões.

Entende-se, pois, um certo rancor contra a blogosfera que Dines exala na entrevista em tela. Todavia, não empana a opinião de um dos maiores símbolos do jornalismo brasileiro em favor daquilo que a mídia tenta transformar em “censura” apesar de existir em todos os países mais democráticos e desenvolvidos: a regulação da mídia.

Dines, rancoroso e bilioso, constitui-se em uma grande baixa para as hostes dos defensores da teoria de que um marco regulatório da mídia seria “censura”.

Evidentemente que, para o público da blogosfera, é só mais uma voz a clamar por ordem nesse rendez-vous que virou a grande mídia. Mas, entre o clube dos grandes meios, sua opinião promoverá considerável estrago.

O experiente jornalista pode não ter sido capaz de notar que, se não fosse a blogosfera e o barulho que fez e continua fazendo, certamente não haveria o que contrapor ao partidarismo picareta da grande mídia. Mas isso não invalida sua arguta análise dos fatos sobre a grande imprensa hoje no Brasil.

Os ataques que Dines faz aos blogueiros progressistas, ainda que sem citá-los diretamente, é tolerável porque o outro lado perde muito mais – ou melhor, é só quem perde, pois atacar blogueiros progressistas virou esporte da grande mídia e de seus bate-paus à direita e entre o que pretende ser “esquerda” da esquerda.

Fiquem, pois, com a metralhadora giratória de Alberto Dines.

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O DIA ONLINE

04.03.12

Alberto Dines: ‘O jornal vai continuar como referência’

POR BRUNO TREZENA / FERNANDO MOLICA

Rio –  Jornalista adora dizer que jornal velho só serve para embalar peixe. Aos 80 anos, completados no último dia 19, Alberto Dines garante que não faltará papel para os embrulhos: afirma que o jornal não deixará de existir. “O jornal é que amarra os fatos” diz. Ex-ocupante de cargos de chefia na ‘Manchete’, ‘Última Hora’, ‘Jornal do Brasil’ e ‘Folha de S.Paulo’, Dines é fundador do ‘Observatório da Imprensa’, que, na Internet e na TV Brasil, avalia o trabalho dos jornalistas. Nesta entrevista, ele faz críticas à imprensa, analisa a Internet e defende um controle sobre a mídia eletrônica.

O DIA: Quando você foi para o ‘Jornal do Brasil’?

DINES: – Cheguei no JB em 1962, depois da reforma que mudou o jornal. E o Brito (Manoel Francisco do Nascimento Brito, diretor do jornal), queria que eu desfizesse a reforma, eu me recusei. Disse que, aos poucos, faria alguns avanços, sem chocar o leitor.

O DIA: Por que ele não gostava da reforma?

DINES: – Ele implicava com tudo que era bom, queria acabar com tudo de grandioso que a reforma trouxe. Os jornais brasileiros ficaram com essa mania de mudar. Hoje, se faz de propósito, para chocar o leitor, que acaba ficando baratinado com tantas mudanças. Criou-se uma velocidade que é devoradora.

O DIA: O que mudou com o Golpe Militar de 1964?

DINES: – Não mudou nada, até porque os jornais apoiaram o golpe, com exceção da ‘Última Hora’. O que mudou foi em 1968, com o AI-5 (Ato Institucional Número 5, que suspendia as garantias constitucionais). Passamos a ter uma ditadura: censura, Congresso Nacional fechado. Eu então pedi ao Brito para avisar o leitor que o jornal estava sob censura. Chegaram os censores militares, eles mandaram trocar algumas páginas, mas, na oficina, mudamos tudo. (Na primeira página do dia seguinte, ao lado do logotipo do jornal, havia o lembrete: “Ontem foi o Dia dos Cegos”. Também na capa, a nota sobre o tempo informava: “Tempo negro. Temperatura sufocante. O ar está irrespirável. O país está sendo varrido por fortes ventos.”).

O DIA: E você foi preso…

DINES: – Fui levado para a Polícia Federal e, depois, para a Vila Militar. Fui solto na véspera de Natal e tive que me reapresentar no dia seguinte. Voltei e fiquei mais dois dias. Em janeiro, tive que depor por cinco horas.

O DIA: Como surgiu a histórica capa do jornal que noticiou, em 1973, a derrubada do presidente chileno Salvador Alende?

DINES: – Os militares não queriam dar impacto à morte do Allende, proibiram manchete. Então decidi fazer a primeira página sem manchete, sem foto. O impacto acabou sendo muito maior.

O DIA: Sua atitude teve consequências…

DINES: – Sim, fui demitido.

O DIA: Para citar o título de um de seus livros: qual é hoje, na era da Internet, o papel do jornal?

DINES: – Esse papel não mudou, o jornal é a referência dos acontecimentos. O período em que o jornal vive é o de 24 horas, quando o dia nasce e morre. É um período noticioso completo. O jornal tem essa característica, fecha o ciclo com lógica, costura tudo, arruma, edita, seleciona, hierarquiza. Isso, a Internet não pode fazer porque é um fluxo contínuo. Esta característica da Internet tem consequências diretas na profundidade da matéria, vai no fígado da profundidade da matéria. O fluxo contínuo, como na Internet, é muito bom para se saber o que está acontecendo. Mas isso não permite ao leitor entender o que ocorre; o jornal do dia seguinte, sim.

O DIA: A preocupação de diretores de jornais de todo o mundo é com o futuro do jornal impresso diante das novas tecnologias…

DINES: – Eles estão discutindo algo que não é discutível. Ficam falando de modelo de negócio, não tem nada disso. O Gutemberg, que inventou os tipos móveis, e o impressor Aldo Manuncio, que criou o livro, não estavam pensando em criar modelo de negócios, uma coisa pré-fabricada. O negócio vai sendo construído aos poucos.

O DIA: Mas você acha que os jornais impressos vão acabar?

DINES: – Eu acho que não, o jornal vai continuar como referencia. É o jornal que amarra os fatos, não surgiu outra mídia periódica capaz de dar esta amarrada. Se não houver a sistematização da notícia, você perde a referência, perde a análise. Você pode pegar um papel de 400 anos e ver que tem algo ali. Não sei se o que é escrito nas novas mídias vai sobrar. Os originais do meu livro sobre a Inquisição estão em um disquete grande. Resultado: não há como ler o que está escrito lá.

O DIA: O que o jornal tem que fazer para sobreviver?

DINES: – Ele vai absorver outras ferramentas. O jornal absorveu o telégrafo, a fotografia. E vai absorver a Internet, muitos jornais e revistas estão fazendo isso. A versão digital do ‘The Economist’ está muito interessante. Desenvolve alguns assuntos, o leitor do papel sabe o que está sendo informado e pode acessar o conteúdo na Internet.

O DIA: Os jornais terão de ser mais profundos?

DINES: – Têm que ser. Se o jornal baixar o nível para ser efêmero, ele perderá sua função. Não precisa falar de filosofia todas as semanas, mas precisa dar essa amarração, esse sentido às mudanças. Estamos falando de mudanças, a notícia é uma mudança. O jornal tem que ser diferente da Internet, se começar a ser igual a Internet, estaremos ferrados. Por enquanto, a Internet vende audiência, não vende consistência.

O DIA: Você acha que a liberdade de imprensa no Brasil está ameaçada?

DINES: – Tem uns malucos, aloprados que se acham de esquerda, mas não são, que defendem a necessidade de forças “progressistas” editarem jornais. Isto, dizem eles, para evitar a maré neoliberal. Mas eles nunca conseguiram fazer isso, até porque não têm competência, não têm um veículo com credibilidade. Mas, em outros países da América Latina, há uma corrente caudilhesca que busca mesmo a supressão da liberdade.

O DIA: O que você acha da criação de um conselho de comunicação?

DINES: – O conselho não vai fazer nada, até porque se tentar fazer será censório. Existe sim a necessidade de regulação da mídia, eu sou a favor do que o presidente Franklin Roosevelt, em 1934, criou no Estados Unidos, o Federal Communications Commission, um órgão controlador da mídia. Eu acredito nisso, a mídia eletrônica é uma concessão e não pode fazer o que quer. Vamos tentar fazer aquele mínimo que fizeram no Estados Unidos. Na Inglaterra, na Câmara dos Comuns, tramita a possibilidade de criação de um sistema de autorregulação, com poder de convocar jornalistas para depor. Seria um comitê formado não por jornalistas, mas pela sociedade.

O DIA: Esse controle seria em que sentido?

DINES – Pra evitar o que foi feito pelo Murdoch (Rupert Murdoch, dono de jornais que utilizaram meios ilegais para obter informações). O ‘The Economist’, que é super conservador, reconheceu que é preciso haver um órgão regulamentador. O Brasil começou a pisar na bola em matéria de imprensa ao criar um organismo supraempresarial que estabeleceu uma disparidade sócio-político-cultural, a ANJ (Associação Nacional de Jornais). A idéia é legítima, que as empresas tivessem uma entidade onde se encontrassem e discutissem seus problemas. Mas a entidade não poderia fazer lobby, atuando fora de seus veículos, teria que permitir o direito de discordância. A imprensa brasileira não se discute. Não precisa xingar a mãe como se fazia antes, mas tem que haver discordância entre os jornais. É isso que faz com que os aloprados digam que é preciso criar um polo contrário, acaba funcionando como pretexto. Se existe esse polo (a ANJ), eles decidem criar outro polo. A ANJ atua de forma deletéria, tem posições que anulam as posições dos jornais.

O DIA: Como você avalia a imprensa brasileira hoje?

DINES: – O problema é a concentração muito grande, não temos imprensa comunitária. Sempre tivemos e hoje ela está desaparecendo. Essa concentração vai lá pra cima, com o agravante que hoje ela se confunde nos, estados, com o coronelismo político.

O DIA: Pegando o mote do ‘Observatório da Imprensa’. Como você lê jornal?

DINES: – Eu leio como crítico, é essencial. A beleza desse mote é que ele contém a semente do ceticismo. É importante espalhar a ideia de que o jornal precisa ser discutido.

O DIA: De onde vem este espírito crítico e inquieto?

DINES: – Pode ter algo genético. Eu sou profundamente judeu, sem ser praticante. O judeu é um inconformado. Jesus Cristo, na cruz, reclama: “Deus, por que me abandonaste?”. Isso é muito judaico, arguir, contestar. O jornalista precisa ser inconformado.

O DIA: O que você mudaria nos jornais brasileiros? O que faria se, agora, o telefone tocasse e você fosse chamado para chefiar um jornal?

DINES – A primeira resposta seria dizer: “Aceito”. Em seguida, teria ver o que fazer, analisar o veículo, o público. Eu tenho ideias, mas, para mostrá-las, tenho que ser chamado.