São Paulo é um caso perdido
Chegou-se a dizer que a eleição municipal paulistana se tornará tema nacional por conta do embate que, em verdade, deverá ser travado entre o eterno presidenciável José Serra e o ex-presidente Lula através de interposta pessoa, ou seja, pelo jovem e promissor ex-ministro Fernando Haddad, que, apesar das qualidades, tem uma pedreira pela frente.
Particularmente, penso que a eleição para prefeito na capital paulista deve ser muito menos emocionante do que se imagina, em que pese o embate de cunho nacional que certamente acontecerá.
É claro que Haddad, ao ser apoiado por Lula, tem potencial de crescimento, mas tenho lá minhas dúvidas sobre ser possível despertar uma população como a paulistana do transe em que vive mergulhada há tanto tempo.
Não me canso de dizer que as eleições de Luiza Erundina e Marta Suplicy foram meros acidentes de percurso. A maioria dos paulistanos, em todas as classes sociais, gostaria mesmo é de votar em Paulo Maluf, mas a situação dele, que está sob ordem de captura internacional pela Interpol, a qual acaba de ser renovada nos Estados Unidos, inviabiliza-lhe a candidatura.
Imaginem um prefeito de uma megalópole como Sampa que não pode sair do país sob pena de ser preso no exterior. Mas, se fosse candidato, mesmo que não vencesse estou certo de que não faria feio.
José Serra encarna os valores dessa maioria dos paulistanos que tem orgasmos ao ver Maluf ir à tevê reeditar sua cantilena sobre “rota na rua” e “bandido bom é bandido morto” (esta, dita em outros termos).
Há, claro, cerca de um quarto ou, no máximo, um terço do eleitorado que é muito bem esclarecido, progressista e que percebe o buraco em que a maior metrópole sul-americana está mergulhada, mas não passa disso. Até porque, há uma parcela ampla dos paulistanos que poderia equilibrar um pouco as coisas, mas que, eleição após eleição, não vota.
Como se sabe, há migrantes de outros Estados, sobretudo do Norte e do Nordeste, que vivem aqui há décadas e que não votam simplesmente porque não transferiram seus títulos de eleitor. A esmagadora maioria desse segmento da população paulistana só se preocupa em sobreviver nas condições mais precárias e nem imagina o que a política poderia fazer por suas vidas.
De resto, a maioria votante da população de minha cidade, seja de que classe social for, é de uma ignorância política desumana. Acalenta conceitos de meados do século passado, é egoísta, incivilizada e arrogante.
No último domingo, eu e minha neta decidimos ir ao cinema. Resido próximo a um dos shoppings mais elegantes de São Paulo. Por ali se tira a média de como a parcela mais abastada da população padece da mais completa ausência de conceitos básicos de cidadania.
Como a fila da bilheteria dos cinemas fosse enorme, deixei minha neta guardando lugar nela e tentei a bilheteria “expressa”, que consiste em totens de auto-atendimento em que você mesmo escolhe a poltrona numerada, passa seu cartão bancário e a máquina emite o ingresso. Pois acreditem, a fila da bilheteria convencional andou mais rápido.
Grupos de jovens e de adultos, ou até pessoas sozinhas, apoderavam-se das máquinas sem pressa alguma. Paravam a operação e faziam chamadas telefônicas, ficavam batendo papo.
A fila em que minha neta ficou chegou à bilheteria e aquela em que eu estava, a “expressa”, quase não se moveu. Deixadas por conta própria, as pessoas gastavam muito mais tempo do que se tivessem se dirigido a um caixa com operador, o que evidentemente impediria que os grupelhos atrasassem a todos.
No estacionamento, vagas de deficientes ocupadas por veículos de pessoas sem necessidades especiais; carrões importados estacionados fora de vagas, atrapalhando a todos; madames e patricinhas paravam diante das escadas rolantes para consultar seus celulares de última geração, impedindo o fluxo de pessoas.
Nas ruas até dos bairros mais elegantes, das janelas daqueles mesmos carrões vai brotando lixo, deixando um rastro porco. Esses mesmos carrões param em filas duplas ou triplas, invadem as faixas de ônibus, fecham cruzamentos na hora do rush.
O paulistano, antes de tudo, é incivilizado, folgado, egoísta e arrogante. As ruas parecem um chiqueiro.
Isso sem falar na população de rua, que só faz aumentar. O prefeito demo-tucano, agora em um partido de aluguel que criou, atua com o mesmo viés higienista de Serra: fechou os albergues no centro da cidade e os transferiu para a periferia, obrigando a população sem-teto a ficar pelas ruas do centro à noite.
A criminalidade, a despeito da manipulação de estatísticas pela Secretaria de Segurança, continua aumentando. Agora, os bandidos estão indo buscar os ricos dentro de casa, nos prédios de luxo, nos quais fazem arrastões. Já foram 10 nos quatro primeiros meses de 2012 contra 12 no ano passado inteiro.
As escolas públicas estão caindo aos pedaços. Faltam professores, falta infra-estrutura. Só o que sobra são exemplares da Veja, da Época, do Estadão e da Folha, que essas escolas não têm mais onde guardar, haja vista que, para comprar a cumplicidade da mídia, governo do Estado e prefeitura compram esse lixo às toneladas.
Professores e policiais ganham salários entre os mais baixos do país, o que explica o desempenho cadente da Educação e da Segurança Pública.
Devido ao estado de miséria da cidade, o prefeito Gilberto Kassab é mal-avaliado. Pesquisa Datafolha realizada nos dias 1 e 2 de março com 1.087 moradores da cidade de São Paulo revela que míseros 26% aprovam sua gestão e 36% avaliam como ruim ou péssima
Ainda assim, quem inventou Kassab e fez dele prefeito, o ex-governador José Serra, é líder em todas as pesquisas de intenção de voto para prefeito de São Paulo, ou seja, o paulistano considera que o atual prefeito é uma droga – e é –, mas quer votar em quem fez dele prefeito, o que mostra a total incoerência da maioria da população.
Vá entender o que pensa essa maioria imbecilizada dos paulistanos.
Enquanto isso, a mídia eletrônica é bombardeada por propaganda eleitoral extemporânea e injusta da administração Kassab que certamente pretende beneficiar Serra enquanto que seus adversários não têm espaço. Uma aberração com dinheiro público. Kassab e Serra fazem propaganda eleitoral fora de época e o munícipe é quem paga.
E o conteúdo da propaganda, então… “Antes não tinha, agora tem”. Rematadas mentiras sobre as escolas municipais. A prefeitura anuncia que pôs dois professores em sala de aula e todos sabem que é conversa mole, que isso existe em uma pequena parte das escolas e funciona mal.
E essa tese de que “Antes não tinha, agora tem”. Como se a direita paulistana tivesse retomado a prefeitura ontem, apesar de que está lá desde 2005.
Em sete anos, a obra social de Marta Suplicy foi totalmente anulada. Todos os programas sociais. Os CEUs foram totalmente desfigurados. Não são mais as belas escolas da gestão petista, tornaram-se maquiagens, pequenas unidades que não oferecem nem um terço do que era oferecido no projeto original.
Os corredores de ônibus que permitiam ao usuário viajar muito mais rápido do que os automóveis, foram desarticulados. O tão alardeado investimento da prefeitura em metrô é uma falácia, existe só o anúncio, o dinheiro não chegou.
E, apesar de ser apresentado como inovação, esse investimento esconde que o orçamento da prefeitura, hoje, é mais do que o dobro que na época de Marta. Com o pais crescendo sob administração do PT, todos os municípios do país têm hoje muito mais recursos.
Pior. Aécio Neves, recentemente, em entrevista ao portal UOL garantiu que o projeto político de Serra continua sendo o de se eleger presidente, o que revela que, mais uma vez, seu vice deverá ser o prefeito de fato da capital paulista caso o tucano se eleja neste ano, pois o prefeito eleito deve abandonar a prefeitura para se candidatar a presidente em 2014.
Apesar de tudo isso, parece-me difícil que alguém tire a eleição de Serra. Sobretudo quando vejo tanta gente vibrar ao ver Maluf na tevê durante a propaganda semestral do seu partido, vertendo aquele discurso criminoso sobre “rota na rua” e “bandido bom é bandido morto”.
Como já disse muitas vezes, nasci na maternidade Pro Matre Paulista, que fica na avenida Paulista com a alameda Joaquim Eugênio de Lima. Sou filho, neto, bisneto e tetraneto de paulistanos. Ainda assim, não agüento mais São Paulo, o egoísmo e a arrogância da população. A sujeira, a falta de segurança. Quero ir embora daqui.