Empresa de home care brinca com a vida de minha filha

denúncia

pro care

 

Passa um pouco do meio dia de 10 de maio de 2015. É dia das mães, o que torna ironicamente cruel a mãe de minha filha Victoria (16, portadora de paralisia cerebral) ter que assistir, justamente hoje, sua menina ficar cada vez mais lívida, contorcendo-se e gemendo em uma busca desesperada e quase infrutífera por ar para encher seus pulmões.

Enquanto escrevo, ouço a menina gemer no quarto ao lado. Está com pneumonia pronunciada e precisa desesperadamente de oxigênio. O tubo que temos em casa, de 1,60 metro de altura, está praticamente vazio, pois há 48 horas que Victoria o está usando. O pedido de mais oxigênio foi feito no sábado e, até o momento, nada.

Resido a poucas quadras da avenida Paulista. Minha filha tem seguro-saúde Sul América e, graças a decisão judicial obtida em 2009, tem home care. Ou seja, dispõe de estrutura hospitalar em casa, com enfermagem e todos os equipamentos que teria em uma UTI.

Com uma estrutura como essa e residindo em uma região tão central, chega a ser inacreditável que a família de Victoria esteja passando por uma situação de virtual desespero só porque hoje é domingo. E, principalmente, que a menina esteja sofrendo, ameaçada de ficar sem ar nos pulmões, submetida às consequências previsíveis.

Desde o início da manhã deste domingo estamos mantendo contato com a empresa de home care Pro Care Saúde para cobrar o oxigênio pedido no dia anterior e só ouvimos que “está vindo”.

No dia anterior, tive uma discussão dura com atendente do serviço telefônico da empresa porque a médica particular de Victoria queria o resultado de um exame de raio-x e a empresa se recusava a enviá-lo por e-mail. Ficaram me falando da burocracia interna enquanto minha filha estrebuchava em cima da cama e a pediatra particular nos cobrava o resultado do exame para nos dar alguma orientação, já que o médico do home care é mais inacessível que Barack Obama.

A empresa irá argumentar que recomendou internação hospitalar de Victoria no dia anterior. Em primeiro lugar, a família da menina resiste em interná-la enquanto não for último caso, pois ela tem baixa imunidade e, ao ir a hospitais, contamina-se facilmente.

Em 2009, apesar das deficiências físicas e mentais de Victoria, ela tinha saúde. A partir de setembro daquele ano, a doença (Síndrome de Rett) começou a cobrar seu preço. Ela foi internada em UTI e lá ficou por três meses. Daquele ano até 2013, ficou mais tempo internada do que em casa.

Em 2013, decidimos resistir a internações para evitar a contaminação. Afinal, com home care em casa tínhamos atendimento médico e hospitalar e usando essa estrutura poderíamos afastar Victoria do hospital enquanto o caso não fosse de extrema gravidade.

Toda essa explicação está sendo dada à toa. Indo ou não ao hospital, Victoria precisa de oxigênio. É o básico do básico do básico. E não vem. Nas nossas ligações para a empresa, por estarmos nervosos chegaram a bater o telefone na nossa cara. A explicação para deficiência no atendimento é a de que estamos em um “fim de semana”, como se a morte tirasse férias de sábado e domingo.

Detalhe: em pessoas com paralisia cerebral, o índice de morte por pneumonia muito grave gira ao redor de 90%.

Sei que há crianças e adultos que sofrem muito mais com a Saúde no Brasil. Conheço casos de famílias que tem crianças, adolescentes ou adultos tão ou mais doentes que a minha filha e que não têm um décimo dos recursos que temos, o que chega a fazer com que me sinta um tanto egoísta por reclamar. Porém, o que devo fazer? Conformar-me com esse absurdo porque minha situação não é a pior?

Quero concluir este desabafo fazendo um alerta ao governo e aos Poderes constituídos. Há muita coisa errada e que não funciona ou funciona mal na Saúde deste país, seja pública ou privada. Porém, o sistema de home care é um caso à parte. Há montes de empresas que exploram esse filão do mercado e que agem com absoluto descaso.

Para que se tenha uma ideia do tamanho do problema, fiquei sabendo que só nas últimas 24 horas SETE “clientes” da empresa de home care em questão fizeram boletins de ocorrência contra ela por descaso de sua equipe despreparada, mal-humorada e disposta a mostrar aos “clientes” que os patrões não têm medo de reclamações.