Por trás da humilhação de FHC
Não posso dizer que tenha ao menos um laivo de simpatia pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Sua passagem pela Presidência da República foi um desastre para mim e para muitos outros brasileiros. Não é à toa que as pesquisas de opinião mostram que ele é repudiado pela maioria absoluta dos brasileiros.
Mais do que isso, as pesquisas mostram que a associação com FHC seria literalmente mortal para o candidato do partido do ex-presidente à Presidência da República neste ano. Apenas 3% dos eleitores votariam em um candidato apoiado por por FHC.
Outro dado importante: Lula é considerado melhor do que FHC por nada mais, nada menos do que 76% do eleitorado, e apenas 11% julgam que o tucano governou melhor.
Em uma situação dessas, não espanta que, em ano eleitoral, nenhum político queira ser associado ao impopular ex-presidente. Contudo, ver seus aliados de ontem e de hoje tratarem a figura máxima do PSDB como portador de alguma doença infecciosa – que existe, por mais que seja uma “doença” eleitoral – me causa certa tristeza.
Apesar dos erros graves, FHC conduziu a versão brasileira do plano de estabilização que Ronald Reagan e Margareth Tatcher impuseram ao Terceiro Mundo para acabar com a onda de inflação galopante sobretudo na América Latina, onda que, de fato, desapareceu – ao menos na forma como existia – depois dos diversos “planos reais” impostos à região pelo Consenso de Washington, a partir do final dos anos 1980.
A meu ver, qualquer ex-presidente merece o devido respeito, mas só quando se dá a ele.
A verborragia rancorosa do ex-presidente contra o atual e a cobrança pública de méritos para si pela boa situação atual do país – méritos que só ele, seu partido e a grande mídia enxergam, de acordo com as pesquisas –, leva pessoas como eu, que sofreram com o desastre daqueles oito anos, a criticá-lo com dureza.
Mas acho que, estando juntos, sendo aliados e integrantes do governo do país entre 1995 e 2002, Serra e FHC deveriam dar transparência a essa relação, até por uma questão de respeito ao eleitorado.
Como se sabe, porém, não é o que está acontecendo. A campanha de José Serra literalmente sumiu com FHC. No programa do PSDB em junho, não houve uma só menção ao ex-presidente. Ao apresentar a biografia de Serra, o programa, além de não mencionar o nome de FHC, expôs uma única imagem dele ao lado do candidato tucano, e foi por cerca de 15 segundos.
Como se sabe, FHC é extremamente condescendente consigo mesmo. Jamais fez uma autocrítica que se coadunasse com o que a maioria da sociedade brasileira pensa dele. É óbvio que se fosse tratado dessa forma pelo seu partido à própria revelia, rebelar-se-ia e colocaria a boca no trombone, criticando os aliados por tratá-lo como um fardo e uma vergonha.
Como FHC não estrila, é igualmente óbvio que aceitou ser escondido. Fico imaginando como foi que lhe disseram que teriam que fazê-lo…
“Fernando, você entende que a sua imagem seria prejudicial para o PSDB, não é?”
É patético, é triste ver um homem que teve tanto poder nas mãos converter-se em um pária. Faz a gente pensar nas ironias desta vida. E ver alguém que vem sendo incensado pela grande imprensa desde que era candidato ser tão repudiado, constitui um fenômeno digno de destaque na crônica política nacional.
Seria exagero dizer que quanto mais a mídia exalta FHC mais ele se torna impopular e ela, cada vez mais vista como adesista a um grupo político que fez mal ao país? Só isso explicaria que, apesar de toda a babação de ovo que lhe fazem, o ex-presidente seja tão malvisto a ponto de ter que ser escondido por Serra e pelo PSDB.
De qualquer forma, o que me intriga é a razão pela qual FHC aceitou se conformar com essa situação. O que lhe foi prometido, em caso de vitória de Serra na eleição presidencial?
Em minha opinião, Serra e o PSDB devem ter prometido a FHC um posto de relevo em um eventual novo governo tucano. Ou seja: se alguém, entre essa maioria expressiva da sociedade que repudia o ex-presidente, votar em Serra, estará votando pela volta desse mesmo FHC ao poder, ainda que seja como coadjuvante – ou seria como eminência parda?