“O povo? Ora, o povo…”
“O povo? Ora, o povo… Se não tem pão, que coma brioches”
Atribui-se a frase em epígrafe a Marie Antoinette Josèphe Jeanne de Habsbourg-Lorraine, arquiduquesa da Áustria e rainha consorte de França de 1774 até a Revolução Francesa, em 1789. Essa frase entrou para os anais da história como suprema demonstração de desprezo das elites pelas camadas majoritárias e empobrecidas das nações.
Nesta parte do mundo, o conceito fundamental da democracia, o império da vontade majoritária dos povos, sempre foi relativizado. Os estratos superiores da pirâmide social sempre acharam que o povo não sabe o que é melhor para si e sempre se dispuseram a tutelá-lo.
A crença aristocrática na ignorância intrínseca das camadas populares e a conseqüente relativização da vontade de maiorias que jamais se formam sem tais camadas fundamentou por aqui aberrações como uma ditadura militar que estuprou a vontade das urnas e destituiu, sem qualquer processo legal, um governo legitimamente eleito.
Há pouco, em um pequeno país centro-americano a violação da vontade da maioria se deu por meio de um golpe de Estado desfechado na calada da noite, no qual o presidente da República, detentor de inquestionável mandato popular delegado pela maioria dos cidadãos, foi colocado de pijamas em um avião e deportado sumariamente. Por aqui, a direita midiática apoiou o golpe e desandou a verter teorias segundo as quais a vontade da maioria não bastaria para garantir ao eleito o mandato que recebeu.
O discurso da direita midiática tupiniquim, portanto, tal como há mais de cinqüenta anos continua sendo o de relativizar o direito democrático das maiorias de fazer julgamentos políticos e, assim, eleger ou não os que governarão, sempre usando como desculpa supostos pecados das massas que as inabilitariam a tomar tais decisões.
Editorial do jornal O Estado de São Paulo de ontem trata dessa maneira o povo brasileiro. O povo? Ora, o povo se vende por “badulaques” propiciados pela bonança econômica, diz, em outras palavras, texto que representa a versão contemporânea da frase histórica de Maria Antonieta.
São “badulaques” como o de jovens negros e pobres se converterem nos primeiros universitários de famílias que, antes deste governo, jamais haviam sonhado com tanto. Miçangas para brucutus como a de 14 milhões de brasileiros entrarem para um mercado formal de trabalho que o governo anterior dizia que só seria ampliado com supressão de direitos trabalhistas.
O último parágrafo do editorial do centenário jornal paulista dispensa o leitor da pena da leitura de toda aquela peça de cinismo, de arrogância e de uma certa alienação quanto ao que é o Brasil contemporâneo. Sobre a tendência esmagadora que as pesquisas revelam de que Dilma Rousseff seja eleita presidente em três semanas, diz o texto:
“Está errado o povo? A resposta a essa pergunta será dada em algum momento, no futuro. De pronto, a explicação que ocorre é a de que, talvez, o povo de Lula seja constituído de consumidores, não de cidadãos”.
O “povo de Lula”… Não é a maioria massacrante do povo BRASILEIRO que as pesquisas mostram que elegerá Dilma Rousseff a despeito de todo o bombardeio acusatório – considerado sem provas pela Justiça – que os aliados de José Serra na mídia e o próprio candidato usam sem parar para tentar modelar a vontade da população. É o “povo de Lula”.
Se encontrasse hoje a “Lâmpada de Aladim”, pediria ao gênio que me facultasse ocupar rede nacional de rádio e TV para ler a acusação do jornal paulista ao povo brasileiro. Em seguida, poderia partir em paz desta vida, ciente de que finalmente conseguira revelar ao meu povo quem são esses maníacos que há gerações tentam impor seus delírios a toda uma nação.