Talvez nos falte o arsênio

Crônica

Revelação feita durante a entrevista coletiva realizada ontem pela Nasa deve ter decepcionado os entusiastas não-iniciados da ficção científica. Possivelmente esperavam o anúncio da captura de algum alienígena e o que lhes entregaram foi uma frugal descoberta de laboratório sobre a química da vida.

Além de revolucionária, a descoberta de que estavam erradas as teorias sobre as condições mínimas para existência da vida permite uma reflexão de cunho filosófico.

Foi encontrada aqui na Terra mesmo bactéria que sobrevive sem fósforo, um dos seis elementos considerados indispensáveis à vida – nitrogênio, hidrogênio, enxofre, fósforo, oxigênio e carbono. O elemento que o substitui é o arsênio, ou arsênico, que, entre outros usos, serve ao homem para tirar a vida dos semelhantes.

Um dos exemplos mais famosos do uso maligno do arsênio foi “presenteado” à humanidade pelos ingleses, que teriam envenenado lentamente Napoleão Bonaparte durante o cativeiro a que foi confinado na ilha de Santa Helena depois da derrota na Batalha de Waterloo.

Recentemente, a versão foi contestada. No entanto, verdadeira ou não, nada altera a ironia contida na descoberta anunciada pela agência espacial americana de que o elemento que sempre simbolizou a morte agora se torna um dos tijolos que permitem a edificação da vida – ou de alguma forma de vida.

Nesse aspecto, um ser em que o arsênio lhe substituísse o fósforo no código genético talvez tivesse esse instinto predador do homem substituído por incapacidade de fazer mal aos semelhantes.

A substância mortal para nós, se integrada ao ADN – ou DNA, como querem os colonizados – extraterrestre poderia conferir uma ética intrínseca que o ser humano não tem, pois o instinto assassino é inerente à nossa espécie e no máximo é refreado pelas convenções sociais, apesar de estar sempre lá.