O cenário político
Na noite de 31 de outubro do ano passado, ninguém imaginava que os primeiros passos do governo Dilma Rousseff pudessem ser o que têm sido. Imaginava-se que os seus embates políticos com a mídia começariam já neste mês e que a oposição sumiria do mapa até a própria derrota ser digerida e uma estratégia ser engendrada.
A oposição submergiu, como era de esperar. Apesar de ter eleito governos estaduais importantes, sofreu uma grande derrota no Congresso. Estadualizou-se, pois. O que ninguém esperava era que a candidata Dilma se transformasse em uma presidente tão sem gosto pela política.
Contudo, pensando bem, errou quem não imaginou que estava elegendo alguém de perfil técnico. Alguém que, até a sexta década de vida, jamais se envolvera em política partidária e que, portanto, já demonstrava, desde a juventude, não ter apreço pelo debate político, ainda que sempre tenha tido apreço por ideais políticos.
O resultado da estratégia de Dilma, até o momento pode ser visto sob dois ângulos. Um, do apaziguamento da mídia, ao não provocá-la com anúncios de medidas para lhe impor regras; o outro, da ansiedade que a postura cordata da presidente está causando entre os setores da sociedade que ajudaram a elegê-la.
Isso porque governistas e oposicionistas sabem que não há uma forma de Dilma manter a paz com a mídia. A não ser que se renda a ela, transformando-se em uma espécie de José Serra de saias.
A direita midiática quer entregar o pré-sal às multinacionais através do sistema de concessão e Dilma, supostamente, não fará isso, fazendo prevalecer o sistema de partilha, pois, em um caso, os estrangeiros extraem o petróleo e nos dão uma comissão e, no outro, recebem a comissão pelo serviço de extração prestado.
Esse é só um exemplo de tudo o que separa – ou deveria separar – o governo Dilma da mídia e da oposição. Poderia escrever mais algumas laudas só com esses pontos de atrito entre os atores políticos, mas o exemplo basta para mostrar que não há paz possível com a direita brasileira. A única possibilidade é a capitulação de um dos lados.
A eleição do ano passado provou que só o bem-estar social não garante apoio político na hora H do escrutínio eleitoral. Lembremo-nos do segundo turno.
Há que travar, pois, o debate político. Sobretudo quando a oposição tem uma máquina de propaganda tão formidável quanto a Globo e os seus tentáculos na imprensa escrita.
Note-se que a mídia tem podido despejar toda a sua fúria sobre Lula sem qualquer reação do PT ou de Dilma. Se não traírem suas promessas de campanha, em breve virarão alvo também. Ou alguém acha que a mídia fustigou Lula por tantos anos só por achá-lo feio e sem modos? Claro que não. Seu projeto é que não era palatável.
Nesse aspecto, portanto, foi um susto, ontem, notícia plantada pelo Estadão de que o governo teria desistido de proibir a propriedade cruzada de meios de comunicação, ou seja, que um único empresário seja dono de vários tipos de meios de comunicação de massa – rádio, TV, imprensa escrita ou internet.
Alentou que o ministro das Comunicações tenha dito que não houve decisão alguma, o que permite concluir que a mídia pode estar apenas tentando desgastar o governo Dilma justamente com os setores da sociedade que o apóiam mais decididamente.
Apesar de o ministro Paulo Bernardo ter desmentido o Estadão, um grupo de leitores se manifestou neste e em outros blogs julgando insuficiente tal desmentido, desconsiderando que foi feito nos 140 caracteres do Twitter e sem autorização da presidente Dilma, que certamente ainda não optou por divulgar a sua decisão sobre o assunto.
Só isso já dá a dimensão do clima político negativo que vai se formando. Há ansiedade exagerada? Há, sim, mas esse governo pouco tem colaborado para diminuí-la, ou para impedir que siga aumentando. A simples hipótese de que o fim do projeto de proibição da propriedade cruzada esteja sendo cogitado, é assustadora.
O cenário político, portanto, configura-se nebuloso e preocupante. A postura do governo Dilma é de risco. O apoio político que vier a perder do seu lado agora jamais será compensando por uma trégua fugaz concedida pela mídia, que só dura até ela sofrer a primeira contrariedade. Se é que virá a sofrer.