Por que é perigoso viver no Brasil
Os que quiserem viver sem aquela angústia dos que habitam grandes, médias e até pequenas cidades brasileiras – sensação muitas vezes imperceptível de que alguma coisa terrível está prestes a acontecer –, não podem viver no Brasil. O brasileiro vive com medo porque sabe que a violência pode irromper em qualquer parte e nas situações mais improváveis.
No Brasil, é comum ver filho que mata pai, pai que mata filho, irmão que mata irmão; no trânsito, um mata o outro por causa de uma fechada; já soube de crimes de morte por causa de R$ 3; a polícia rouba, mata, tortura e humilha até cidadãos inocentes por mera suspeita ou por não ir mesmo com a cara do sujeito, e pratica torturas medievais nas delegacias para obtenção de confissões ou até para gáudio de autoridades policiais.
Ainda que inconscientemente, todos sabem disso. Até a diminuta elite branca que se tranca em gaiolas douradas, tais como condomínios fechados ou carros blindados, faz isso por medo, por conta daquela sensação de ameaça iminente à qual alude o primeiro parágrafo.
Não passa pela cabeça do brasileiro que é possível viver sem medo. Todavia, uma filha do blogueiro que vive na Austrália resiste a voltar ao Brasil porque, após dois anos vivendo sem medo, não sente ânimo de voltar a viver em um país violento e em uma cidade perigosa, poluída e feia como São Paulo, em que serviços públicos não funcionam e na qual o deslocamento é uma tortura.
Não se entende, portanto, a razão pela qual o topo da pirâmide social prefere viver assim em vez de aceitar que o Estado promova um nível de bem-estar social que permitiria aos mais ricos desfrutarem melhor da riqueza inclusive ostentando-a, como adoram fazer – coisa que podem fazer cada vez menos.
A crença insana em que há tão maior criminalidade no Brasil do que em países como a Austrália por conta da multiplicidade étnica – pré-conceito velado que pode ser ouvido escancaradamente dos Jardins paulistanos ao Leblon carioca em qualquer festinha de bacanas – e porque o Estado não judia mais “dos bandidos” impede que a elite viva sem medo.
Exceções como as de pessoas de classe média que delinqüem por almejarem bens de consumo mais caros são usadas para “provar” que “pobre não é bandido”, violando verdade verificável em qualquer tour que se faça por países com taxas civilizadas de pobreza e desigualdade, nos quais a violência e a criminalidade são vertiginosamente mais baixas.
Além da desigualdade e da pobreza, na base da violência que mantêm sobressaltados os brasileiros de todas as classes sociais e regiões do país sobressai o uso da violência desmedida pelo Estado através da instituição da tortura nas prisões e da violência policial nas ruas, com abusos bizarros aos quais todos assistem diariamente e que alguns até aplaudem.
Recentemente, dois bandidinhos pés-de-chinelo foram presos no Recife e os policiais fizeram com que se beijassem na boca, e perdi a conta de quantos denegerados se divertiram com aquilo apesar de que esse tipo de conduta se repete com inocentes como o motoboy que apanhou de dois gorilas ditos policiais sem ter qualquer culpa no cartório.
A violência policial, a tortura e as condições carcerárias subumanas são, aliás, uma espécie de decisão da sociedade brasileira, à qual foram vendidas teorias das quais o político paulista Paulo Maluf se tornou o principal vendedor nos anos 1970 e 1980, como a de que “bandido bom é bandido morto”, e que até hoje persistem na mentalidade da elite e de boa parte do povo.
Mesmo os setores mais esclarecidos do topo da pirâmide social parecem acreditar na repressão como forma de impor o conformismo com a desigualdade às massas subtraídas em seus direitos de cidadania e nas oportunidades para subir na vida pelo trabalho honesto, pois ainda lhes é negada a oportunidade real de estudar e se formar.
O texto se propõe a explicar por que é perigoso viver no Brasil. O autor considera que é porque a sociedade brasileira quer que seja assim, ainda que não saiba disso.