Não é tão simples, Clóvis Rossi

Crônica

Não é de hoje que o colunista da Folha de São Paulo Clóvis Rossi se dedica a vender um artigo de difícil aceitação. Só no Brasil, por exemplo, diria que mais de oitenta por cento da população não compra, mesmo com todo o seu esforço de venda.

O produto de Rossi vem com vício de origem e contaminado por relações de cama e mesa com seus produtores, os que viram sua aceitação pelo eleitorado despencar ao ponto de o sistema de pesos e contrapesos da democracia ficar ameaçado por falta de representação parlamentar da oposição no Congresso nacional.

Rossi vende que o governo Lula não foi tão bom assim. Não é de alentar a alma que alguém se empenhe em mostrar que a sensação de bem-estar que se espalhou pelos quatro cantos do país é ilusão? Antes, ao fim do governo anterior ao do petista, a imprensa se esforçava para vender que o governo não era tão ruim…

Abaixo, uma amostra grátis do produto estragado.  Em seguida, o blog oferece antídoto ao veneno que o colunista em tela envolveu em papel celofane cheio de tucaninhos desenhados.

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Nunca antes? Nada disso

Clóvis Rossi, Folha de S. Paulo, 6 de março de 2011

Reinaldo Gonçalves é professor titular de economia internacional na Universidade Federal do Rio de Janeiro e um dos raros acadêmicos de esquerda que não se deixou cooptar por uma boquinha no governo ou até por menos, como um convite para jantar com os poderosos de turno.

Fez o que deve ser o papel do intelectual: mergulhou nos dados do IBGE e do Fundo Monetário Internacional para desafiar a propaganda governamental sobre as incríveis façanhas do governo Lula.

Montou tabelas que mostram o seguinte, em resumo apertado:

1 – Os 4% de crescimento médio do governo Lula colocam-no apenas em 19º no campeonato nacional de progresso econômico, entre os 29 presidentes desde a proclamação da República.

Perde, por exemplo, para Itamar Franco e José Sarney.

2 – Quando começou o governo Lula, o Brasil representava 2,9% do PIB mundial. Quando terminou o governo Lula, o Brasil representava 2,9% do PIB mundial. Portanto, estagnou na competição global. E ficou longe dos 3,91% de 1980.

3 – Em matéria de variação comparativa do PIB, no período 2003/ 2010, o Brasil fica em humilhante 96º lugar, entre 181 países. Está no meio da tabela e abaixo até da média mundial de crescimento, que foi, no período, de 4,4%.

4 – Em matéria de renda per capita, a do Brasil evoluiu de US$ 7.547 para US$ 10.894, entre 2003 e 2010. Mas a sua posição no ranking mundial só piorou. Estávamos em 66º lugar e caímos para 71º.

Só para cutucar o cotovelo dos “argentinofóbicos”, a renda per capital da Argentina é cerca de 50% maior que a do Brasil, com seus US$15.064. E ela melhorou, do 61º lugar para o 51º.

Não quer dizer com toda a numeralha que o governo Lula foi um desastre. Ao contrário. Mas tampouco foi o milagre que a sua propaganda apregoa. Simples assim.

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Se você, leitor, não deu um tiro na cabeça após ler isso, aqui vai uma outra versão da história. A obra do governo anterior que, segundo Rossi, tornou tão suscetível à propaganda “enganosa” a esmagadora maioria do povo brasileiro – em todas as classes sociais, faixas etárias, níveis de instrução e regiões do país – não é mensurável pelo crescimento da economia, mas pelo bem-estar e pela ascensão social.

Dentre os países citados por Rossi, que apelou para a comparação com outros países que cresceram mais e com governos brasileiros anteriores – mas evitando, por precaução, o governo imediatamente anterior ao de Lula -, há que fazer algumas perguntas:

1 – Quantos deles tiraram quase três dezenas de milhões de cidadãos da pobreza em oito anos?

2 – Quantos desses países deixaram, em poucos anos, de ser devedores do FMI e da banca internacional para se tornarem credores?

3 – Quantos desses países ganharam a expressão internacional que ganhou o nosso , como fica claro na notícia da BBC Brasil que está sendo veiculada dando conta de que o Brasil é o país que mais ganhou popularidade no último ano?

Poderia citar muito mais, mas chega. Até porque, posso colocar quantos exemplos do muito e do inédito que o país logrou nos últimos oito anos que a resposta do colunista seria a de que tudo isso se deve ao governo anterior ao de Lula.

Estranho é que, nessa linha de discurso, só o que aconteceu de bom é responsabilidade do governo que precedeu ao do PT. O que Rossi relata como debilidades do país que persistem, fica ao menos implícito que se deve a falta de ação ou de competência do governo do ex-operário.

Não é tão simples mensurar os progressos deste país quanto diz o colunista, pois. Há que mensurar, sobretudo, a inclusão social que evitou que o Brasil mergulhasse no buraco em que a maioria desses países com os quais nos compara mergulhou e do qual não saiu até agora.

É complicado assim.