O paradoxo Palocci-Sarney e o poder das catarses
Antes de abordar o tema central deste texto, devo esclarecer que, no encontro de blogueiros progressistas do Rio Grande do Sul, do qual participei entre sexta-feira e domingo últimos, pude entender melhor os que não aceitam o fato de que o patrimônio do ministro Antonio Palocci tenha crescido vinte vezes entre 2006 e 2010.
Pude entender melhor, acima de todos os outros, àqueles que, como jornalistas, honram o ofício que abraçaram e, assim, tratam as notícias sobre o patrimônio do principal ministro do governo Dilma Rousseff como trataram o crescimento igual ou até maior do patrimônio de funcionários públicos que, ocupando o mesmo cargo ou posições análogas à de Palocci, só que durante governos anteriores, enriqueceram tanto ou mais do que o atual chefe da Casa Civil.
Fico feliz em confirmar o que já sabia, que jornalistas dos quais sou amigo agem como devem agir os jornalistas, ou seja, tratando os iguais com igualdade.
O trabalho do jornalista não é o que fazem hoje os colunistas de Globos, Folhas, Vejas e Estadões, que nunca disseram um A sobre o crescimento vertiginoso da renda de um Persio Arida, de um Pedro Malan ou de outros membros de equipes econômicas anteriores após se desligarem do cargo. Quem criticou ontem, tem moral para criticar hoje. Quem não criticou, não tem.
Todavia, este blogueiro não é jornalista. O trabalho que faz neste blog é voluntário e cidadão. Não rende salário ou qualquer outro tipo de remuneração. Pelo contrário: pago para fazer este blog. Não só financiando a hospedagem da página, mas participando de eventos como o do último fim de semana, que sempre acarretam custos. Prefiro – e posso –, portanto, dar satisfações somente à minha consciência e não a dogmas profissionais. E enxergar as coisas como elas são.
E como são as coisas? Bem, é simples: um paradoxo escandaloso envolve Palocci. Lembram-se de quando a mídia passou meses e meses tentando derrubar o presidente do Senado, José Sarney, e a blogosfera em peso se pautou pelo princípio que agora nega a Palocci, de que sua queda seria inconveniente para o governo federal do PT? Quem se lembra do bordão “O PIG descobriu que Sarney é Sarney”?
Esse é o paradoxo, pois. No que Palocci difere de Sarney, um dos oligarcas mais antigos do país e contra o qual podem ser feitas milhares de ilações iguais ou piores do que as que ora são feitas contra o ministro de Dilma? Em nada, estejam certos. Por que a diferença de tratamento, então?, perguntará você.
E a resposta é “catarse”, derivada do efeito liberador de emoções coletivas produzido pela encenação de certas ações específicas que fazem apelo ao medo e à raiva, freqüentemente utilizado pelas terapias freudianas, mas que, na sociedade, é desencadeado pela doutrinação dos meios de comunicação, que, selecionando situações, conseguem produzir explosões de sentimentos entre aqueles que cultivam valores morais rígidos.
E o paradoxo Palocci-Sarney decorre, agora entre o grosso da militância de esquerda, das lutas internas do governismo que o início do governo Dilma acirrou desde os episódios com a ministra da Cultura, Ana de Hollanda, que contribuem para intensificar a disposição da esquerda para a catarse no caso Palocci, que reproduz, ipsis-litteris, a que existiu durante o “mensalão do PT”.
As pessoas começam a repetir mantras moralistas sem maior reflexão e fechando mentes, olhos e ouvidos para qualquer argumentação lógica e sobre estado de direito, que exige que acusações tenham o mínimo de embasamento além do mero senso comum de que este ou aquele “só pode ter feito algo de errado”.