O insensato coração de madame

Crônica

Chega a ser difícil eleger o adjetivo mais adequado para a forma como a grande imprensa trata a blogosfera em detrimento das demais redes sociais. Pode-se discordar dos blogs, mas não há mais quem lhes subestime a importância. Sobretudo depois do último fim de semana…

Esse setor da imprensa – que não é só a corporativa –, porém, trata os blogueiros com um misto de arrogância, desconfiança e medo, sem falar nos golpes baixos como, por exemplo, o de lhes fazer acusações veladas indiscriminadamente e sem maiores detalhes.

Poderia ser qualquer um desses colunistas da grande imprensa de São Paulo e do Rio, a ilustrar este texto. Neste caso, trata-se de alguém que sofreu impressionante metamorfose após a chegada de Lula ao poder. A personagem é Eliane Cantanhêde, da Folha de São Paulo.

Este blogueiro tem um computador velho e quebrado que guarda dentro de si trocas de e-mails que manteve com Eliane entre 2000 e 2001 e que mostram que a colunista da Folha pensava bem diferente sobre a imprensa. Um dia desses, essas mensagens serão recuperadas.

Enquanto isso, é importante abordar ataque que os blogueiros que se reuniram em Brasília com o ex-presidente Lula no último fim de semana sofreram dessa colunista na edição da Folha desta terça-feira. Abaixo, o texto:

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FOLHA DE SÃO PAULO

21 de junho de 2011

ELIANE CANTANHÊDE

Não fosse a imprensa…

BRASÍLIA – Quem descobriu que o poderoso Palocci havia multiplicado seu patrimônio por 20 em quatro anos e acabara de comprar um apartamento pela bagatela de R$ 6,6 milhões foi a imprensa: os repórteres Andreza Matais e José Ernesto Credendio, da Folha.

Quem acrescentou que Palocci ganhara R$ 20 milhões no ano eleitoral e que metade disso foi quando já era chefe da transição e virtual homem forte do governo Dilma foi a imprensa: a repórter Catia Seabra, da mesma Folha.

Quem alertou para os riscos de libertinagem orçamentária com o tal RDC (Regime Diferenciado de Contratações) para a Copa e a Olimpíada foi a imprensa.

Quem também identificou um contrabando que vincula a transparência dos contratos à “conveniência do Executivo” foi a… imprensa. Ou seja: estão afrouxando as regras das licitações e do fluxo do dinheiro público para a iniciativa privada e mantendo tudo bem escondidinho do distinto público pagante.

De Sarney, sobre o RDC: “Nós devemos encontrar uma maneira de retirar esse artigo, uma vez que ele dá margem inevitavelmente a que se levante muitas dúvidas sobre os orçamentos da Copa”. Palavras dele, hein, gente?!

E, enfim, quem mostrou o recuo na questão do sigilo eterno de documentos públicos foi a imprensa, o que colocou o governo numa gangorra, para cima e para baixo, sem encontrar o equilíbrio entre o que a pessoa física Dilma pensa e o que a pessoa pública Dilma precisa fazer.

É por isso que Lula se encontra com os tais “blogueiros independentes” (sic, porque muitos são, mas nem todos…) e desanda a falar em controle da imprensa. Nem se tocou aqui em mensalão…

Some-se o silêncio da imprensa ao sigilo do patrimônio de autoridades, ao sigilo dos documentos oficiais e ao sigilo dos contratos e gastos da Copa e da Olimpíada e tem-se o ambiente perfeito para… ah! você sabe. É como o diabo gosta.

elianec@uol.com.br

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Abstenhamo-nos de considerações sobre a pessoa Eliane Cantanhêde. Ela não importa. O que importa é o que diz, pois integra um mantra que seus colegas de Folhas, Vejas, Estadões e Globos repetem em uníssono e que mostra a importância da blogosfera progressista.

Em primeiro lugar, há que ter em mente que ninguém chuta cachorro morto. Os ataques ao II Encontro Nacional de Blogueiros Progressistas só mostram que a blogosfera vai sendo levada cada vez mais a sério pela imprensa corporativa e conservadora.

A autocongratulação do texto de Eliane mostra como essa imprensa perdeu a conexão com a realidade a um ponto em que já confessa abertamente o seu partidarismo político enquanto distribui acusações veladas e sem dar nomes aos bois.

Ao enumerar os feitos denuncistas da imprensa em que trabalha, Eliane não teve o cuidado de elencar ao menos um que atingisse a oposição onde ela é situação, ou seja, nos Estados. Provavelmente, porque não existe.

No caso da Folha, a omissão em fiscalizar o governo do Estado em que está sediada é mais escandalosa. Uma centena de CPIs paradas na Assembléia Legislativa paulista, escândalos e mais escândalos sendo investigados na Justiça e esse jornal dificilmente noticia alguma coisa.

Talvez o maior escândalo na administração paulista, atualmente, seja o das obras de desassoreamento do Rio Tietê, que o grupo Folha até chegou a divulgar rapidamente na internet – durou um dia, o noticiário –, mas omitiu em sua edição impressa.

Eliane não quer que Lula prestigie os blogueiros porque “a imprensa” em que trabalha levanta escândalos só contra o lado do ex-presidente? É isso o que essa senhora cobra em sua coluna supra reproduzida?

Que tipo de jornalismo faz insinuação tão barata de que alguns blogueiros dependem do governo Dilma? Quem são os “dependentes”? Ela se referiu à Comissão Organizadora do Encontro dos blogueiros ou às centenas deles que integram o movimento?

A imprensa de Eliane precisa aprender com os blogueiros a aceitar críticas. Aliás, já que tantos jornalistas da Folha acessam este blog, poderiam tentar aprender com o seu signatário a encarar as críticas com naturalidade.

Nos comentários deste blog há ataques ferozes a ele. No Encontro de Blogueiros do fim de semana, alguém que não gostou do que leu aqui levou cartazes detratando este blogueiro, que, como parte da Comissão Organizadora do evento, defendeu que não fossem retirados.

A imprensa que Eliane representa não consegue conviver com críticas. Qualquer objeção que se faça ao seu trabalho é tratada como ímpeto censor, apesar de que o que se quer é o direito de ocupar espaços para dar ao público o lado da moeda que essa imprensa esconde.

O que o leitor está vendo nesta crônica, pois, é o insensato coração de madame imprensa.