Breivik ‘mora’ em Higienópolis e odeia ‘gente diferenciada’
Além da diferença óbvia quanto a métodos, alguém sabe explicar a diferença ideológica entre o terrorista norueguês Anders Behring Breivik e os três mil moradores do bairro paulistano de Higienópolis que não querem dividir espaços públicos do seu bairro – que bem poderia ser um Estado ou um país – com “gente diferenciada”?
Tenho visto pessoas que reconheceram o “direito” dos moradores do bairro paulistano de não quererem pessoas “diferenciadas” onde vivem criticarem Breivik por exigir o mesmo “direito”. No fundo, portanto, é tudo a mesma coisa: o incômodo com pessoas de outras etnias, de outros credos, nascidas em outras partes, é o mesmo.
Ah, mas alguém dirá que Breivik é racista porque criticou a miscigenação no Brasil. É mesmo, é? Então ele é diferente, por exemplo, dos paulistanos de classe média alta – e, sobretudo, dos ricos – dos bairros nobres de São Paulo que chamam nordestinos (negros e mestiços) de “baianos” e que os dizem “raça indolente e burra”?
Alguém aqui tem a coragem de negar que, durante a vida, conheceu várias pessoas do Sul e do Sudeste do Brasil – não só, mas principalmente – que chegam a pregar que não se dê emprego a “baianos” ou “paraíbas” porque pessoas que cabem nesse preconceito não seriam confiáveis, não teriam inteligência ou não gostariam de trabalhar?
Cena meio recente: durante comemoração do aniversário de uma moça de classe média em um amplo apartamento de um bairro nobre de São Paulo, grupo de sete pessoas (três homens e duas mulheres de meia idade, uma jovem e uma mulher idosa) conversam sobre separatismo. Isso mesmo: querem separar o Estado do resto do país.
A garota diz que não suporta “baianada”, ao que os mais velhos aderem. “Baianada” seriam os costumes de qualquer nordestino descendente de negros, sobretudo se tiver sotaque pronunciado. Fala-se da cultura (música, forma de se comunicar, gosto por roupas), mas não só. Sobretudo, falam sobre degenerescência genética.
Faça um teste: procure se lembrar de onde já leu ou ouviu “idéias” como a do extremista norueguês de direita Anders Breivik sobre etnias (cor da pele e traços físicos) ou sobre a cultura de outro povo.
Reflita: o demente europeu, ao dizer que a “mistura de raças” no Brasil é responsável pela nossa suposta “falta de coesão interna”, mentiu? Não é verdade que setores da sociedade brasileira não aceitam conviver ou sequer dar emprego a “baianos”, a “paraíbas” ou a “veados”?
Qual é a diferença entre Breivik e a deputada carioca Myriam Rios, que exibiu outra das características do congênere ideológico europeu, a homofobia, pregando que se neguem empregos a homossexuais? Quantas pessoas por aqui, da mesma forma que Breivik, concordaram, sobretudo na internet, com o “perigo gay” dito pela deputada?
Não é verdade que há falta de coesão no Brasil entre a etnia indo-européia, de um lado, e, por exemplo, a afro-brasileira de outro lado? Não é verdade que há uma intolerância aberta e assumida à orientação homossexual igualzinha à de Breivik?
Sim, resta a diferença de que a maioria desses setores da sociedade brasileira não transforma seus preconceitos contra “gente diferenciada” em ações violentas. Todavia, a maioria não é o todo, ou seja, há uma minoria capaz de ações como a do terrorista noruguês, no Brasil. E, apesar de ainda agir em baixa escala, age.
É provável que alguém como o psicopata norueguês que viva em Higienópolis e odeie “gente diferenciada” tenha assinado o manifesto dos moradores do bairro pedindo que o Estado não construísse uma estação de metrô ali para não atrair esse tipo de gente. Será então que Breivik mentiu sobre falta de coesão interna no Brasil?
Ele apenas constatou o preconceito de setor minoritário da sociedade brasileira que separa etnias e culturas, pois todos sabem onde negros, homossexuais e nordestinos não entram. A solução é a lei ser dura com pessoas como aqueles três mil moradores de Higienópolis que, como Breivik, odeiam “gente diferenciada”.