Dilma logrará manter Amorim no cargo?
Nelson Jobim entrará para a história como a negação viva da teoria dos inimigos de Lula – e de Dilma, mesmo que ela não queira – de que seu governo teria “aparelhado” o Estado. O ministro mais conservador de Dilma tinha tudo para jamais ser convidado para integrar um governo do PT, mas não só foi convidado como lhe foi dado um cargo de extrema importância.
Conservador, fortemente ligado aos adversários mais ferozes do PT (mídia, Fernando Henrique Cardoso e José Serra) e aos militares saudosos da ditadura que ainda infestam a cúpula das Forças Armadas, colocá-lo dentro do governo que representa a antítese a essas forças político-ideológicas poderia ser uma contradição aparentemente inexplicável.
Afinal de contas: o que, diabos, Nelson Jobim estava fazendo nos dois governos federais do PT? Por que Lula nomeou alguém com perfil tão incompatível com o seu e com o de Dilma, que o manteve no cargo?
Jobim fazia parte de uma estratégia do governo Lula pouco ou nada comentada e que foi mantida por este governo: sossegar com ações inquietudes dos conservadores e até mesmo do “mercado” de que haveria intenção de guinada radical à esquerda ou revanchismo contra a direita que governou o país por tanto tempo (desde o Descobrimento até 2003).
O amigo de Serra chegou ao governo Lula em 2007 na esteira do desastre com o avião da TAM e de uma crise política que nada tinha que ver com o esgotamento da capacidade operacional da estrutura aérea do país, gerado pelo aumento exponencial do volume de passageiros oriundo do processo de distribuição de renda que o Brasil experimentou na década passada.
A direita ainda não digerira a reeleição de Lula e os chefes militares remanescentes da ditadura ameaçavam radicalizar em relação ao governo, instigados pela grande imprensa e pelos partidos de oposição. A radicalização retórica e crescente decorria do ensaio da criação da Comissão da Verdade, que já se pedia que apurasse os crimes do regime militar.
Com efeito, Jobim foi nomeado para ser – e por ser – interlocutor do governo considerado “confiável” pela extrema-direita, um fiador de que não haveria “perseguições” a militares oriundos do golpe de 1964 ou maiores guinadas do país à esquerda.
Com a substituição do esquerdista histórico Waldir Pires – um perseguido pela ditadura militar que chefiava as Forças Armadas em nome daquele que, constitucionalmente, é o chefe-supremo delas, o presidente da República – por um amigo dos militares entusiastas daquela ditadura e defensor dos “valores” reacionários, a crise do “caos aéreo” sumiu do noticiário.
Para quem não se lembra, entre setembro de 2006 e julho de 2007 não houve um só dia em que os telejornais, liderados pelo Jornal Nacional, não martelassem na cabeça do público que haveria um “caos aéreo” no país devido a que os aeroportos estavam superlotados e os vôos vinham sofrendo atrasos consideráveis.
Tudo fazia parte de um jogo político destinado a impedir a reeleição de Lula. A superlotação dos aeroportos, o atraso nos vôos e o desastre com o avião da Gol em setembro de 2006, às vésperas da eleição presidencial, foram misturados e tratados pela mídia ligada ao PSDB e aos militares entusiastas da ditadura como fatos decorrentes do tal “caos aéreo”.
Posteriormente, no entanto, ficou provado que o desastre aéreo ocorreu porque pilotos norte-americanos que conduziam um jatinho desligaram equipamentos de monitoramento do espaço aéreo para “testarem” a aeronave e, assim, causaram a tragédia.
A eleição passou e a direita descobriu que aquele povo tão acostumado a se espremer no transporte público durante horas todo dia sabia muito bem que o esgotamento da estrutura aérea se devia ao fato singelo de que pobre estava deixando de ser tão pobre e tendo acesso ao melhor meio de transporte contemporâneo.
O momentum imediatamente posterior à reeleição de Lula viu acirrar-se o clima político no país. 2007, primeiro ano do segundo governo Lula, marcou a reação daquele governo à tentativa da direita de tomar o poder por meio de um golpe branco travestido de revolta da “opinião pública” com o “mensalão” e com o “caos aéreo”.
Atordoada pela constatação de que o povo brasileiro, pela primeira vez na história contemporânea, ignorara uma grande campanha de desmoralização midiática de um grupo político, deixando ver que não mais acreditava na mídia, a direita partiu para o ataque. Em julho de 2007, após o desastre com o avião da TAM, os militares se uniram à mídia e à oposição e começaram a dar declarações golpistas.
Aquele foi o ano em que Lula reagiu nomeando Franklin Martins para a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom). Ele empreenderia reação à ofensiva tucano-midiática contra um governo energizado por uma votação surpreendente e esmagadora daquele que a direita apostara que, após o “mensalão” e o “caos aéreo”, iria “sangrar” até ser fragorosamente derrotado eleitoralmente.
A indicação de Jobim foi um paradoxo, portanto. Apesar da reação de Lula na comunicação, nomear um interlocutor “confiável” com as Forças Armadas foi uma estratégia para tirá-las do conclave oposicionista, acalmando-as e convencendo-as a aceitarem o apoio dos brasileiros a um governo tão intragável para os conservadores.
Desde o primeiro momento em que foi anunciada a indicação do ex-chanceler Celso Amorim para cargo antes ocupado por um dos bibelôs da reação nacional, portanto, todos já sabiam que ele assumiu, também, a posição de alvo daqueles que inviabilizaram os dois primeiros ministros da Defesa de Lula, o ex-diplomata José Viegas e o ex-governador da Bahia Waldir Pires.
Por enquanto, o que a mídia tucana está tentando vender é que os militares “não aceitam” Amorim e que teriam tal prerrogativa em relação a uma decisão do governo ao qual estão subordinados. Lula desmontou facilmente essa teoria, há pouco, lembrando que militares não têm que “aceitar” as decisões da presidente Dilma, mas acatá-las.
Todavia, não parece polêmico afirmar que se este governo tem um problema é o de manter no cargo ministros dos quais a direita tucano-midiática não gosta ou gosta mas não quer que sejam ministros do governo do PT. Em sete meses, Dilma já teve que trocar três ministros que a mídia quis derrubar – incluído, aí, Jobim.
Ou alguém acha que Globos, Folhas, Vejas e Estadões deram tanto destaque à incontinência verbal dele por nada? Se a direita midiática o quisesse no cargo, teria escondido sua verborragia como esconde tantas outras coisas. Aliás, se não o tivesse provocado a partir de uma entrevista que concedeu ao grupo Folha, talvez estivesse ministro até hoje.
Provocar sucessivas quedas de ministros é estratégia dos adversários do PT com a qual o governo Dilma tem colaborado ao ceder uma vez após a outra. Contudo, na terceira queda a presidente conseguiu reverter o prejuízo substituindo o ministro que tentaram manipular para que saísse atirando por outro absolutamente intragável para os conservadores.
Parece muita ousadia para um governo que tem sido marcado pela tibieza apesar de ter chegado ao poder pela vontade de uma maioria dos brasileiros que foi bombardeada com denúncias contra a própria presidente e seu antecessor e deu uma banana à mídia e à oposição, apoiando postura “assertiva” de Lula e Dilma em relação a tais adversários.
Uma pergunta intitula este texto: Dilma conseguirá manter Amorim no cargo apesar de ser previsível, desde o anúncio de sua nomeação, que a direita midiática partirá para cima dele? A resposta é simples: pode conseguir, sim, se entender que os brasileiros que votaram em Lula e nela contra o massacre midiático querem que a elite brasileira seja enfrentada.