Sobre a crítica de Caco Barcelos à imprensa brasileira

Esclarecimento

Em nome da verdade factual e da honestidade intelectual, não poderia deixar de reparar erro absolutamente involuntário que posso garantir que só cometi por ter reproduzido de cabeça frase do jornalista Caco Barcelos que eu o ouvi proferir em 20 de setembro em um programa da Globo News, o programa “Em Pauta”. Foi um tipo de erro que a grande imprensa vive cometendo, mas isso não repara o erro.

Acabo de receber link para vídeo no You Tube que não postei aqui antes porque a Globo News não pôs em seu portal na internet. E a Globo News fez isso porque, como o leitor poderá ver na transcrição e na reprodução desse vídeo logo a seguir, o jornalista Barcelos fez críticas duríssimas à imprensa brasileira.

Qual foi o meu erro? No título do post que publiquei neste blog no dia seguinte ao do programa, ao reproduzir de cabeça o que assistira na tevê no dia anterior – e isso porque, repito, a Globo preferiu não disponibilizar na internet cenas de um seu jornalista criticando o jornalismo da grande imprensa – acrescentei um adjetivo a termo que Barcelos usou em comentário extremamente crítico que fez ao jornalismo brasileiro.

O título do post foi: “Caco Barcelos: ‘Faço jornalismo, não militância política’”. Ele, porém, não disse exatamente assim: não usou o adjetivo “política”, disse só “militância”, e foi referente a pergunta da jornalista Eliane Cantanhêde sobre o que achava da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, uma organização que quem conhece sabe por que Barcelos chamou seus membros de “militantes”.

Todavia, como se verá no vídeo, o uso da palavra militância tem tudo que ver com o que o meu post relatou em 21 de setembro, que foi uma das críticas mais profundas e bem feitas que a imprensa brasileira recebeu numa grande rede de televisão talvez em décadas.

Vejam como são as coisas: esse vídeo apareceu só agora, apesar de a Globo escondê-lo, porque pessoas que se opõem a mim foram procurá-lo pensando em me desmentir e em defender a mídia tucana. Fazendo isso, porém, permitiram que uma das mais bem embasadas críticas que já vi serem ditas publicamente ao jornalismo brasileiro – e em uma grande tevê – viesse à tona.

Peço ao leitor que leia a transcrição do programa ou assista ao vídeo, ao fim do post, e se pergunte se o uso da expressão “militância política”, em vez de só “militância”, muda em algo o conteúdo do discurso de Barcelos. Reflita se esse discurso não foi uma dura crítica ao jornalismo “declaratório”. Veja como termina a fala de Barcelos, em absoluto constrangimento dos que ali estavam. Aliás, penso que o uso do termo “militância” teve um claro duplo sentido.

Minha obrigação, enfim, está cumprida. Havia que desfazer imprecisão que este blogueiro cometeu, mesmo que não tenha mudado em absolutamente nada o âmago do post que publiquei em setembro e que não poderia permanecer sem reparação. E agradeço aos que, ainda que pelas razões erradas, prestaram um serviço à sociedade ao recuperarem esse belo – e raro – momento do jornalismo brasileiro.

Reproduzo, abaixo, diálogo entre os jornalistas Eliane Cantanhêde e Caco Barcelos em que ele usou o termo “militância” e no qual teceu fortes críticas à imprensa brasileira, se levarmos em conta que acusar a imprensa de condenar as pessoas levianamente é uma crítica para lá de dura.  Isso mostra que o termo impreciso “militância política” exprimiu, em larga medida, as críticas indubitáveis que Barcelos fez e a Globo escondeu.

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Eliane Cantanhêde – Oi, Caco. Olha, eeee… Esse ano tem sido um ano muito bom pro jornalismo brasileiro, né…

Caco Barcelos – Você acha?

Cantanhêde – Eu acho… Sabe por que?

Barcelos – Ahn?

Cantanhêde – Você tá vendo que a presidente Dilma, por exemplo, tá capitalizando muito a coisa da faxina, mas quem descobriu as histórias do Palocci, do Alfredo Nascimento, do Wagner Rossi e, agora, do Pedro Novaes foi a imprensa, evidentemente trabalhando, ali, com o Ministério Público, Polícia Federal e os órgãos de investigação. Mas a imprensa tem tido um papel decisivo nessa “faxina”. Eu queria saber se você participa da Abraji, que é a Associação Brasileira de Jornalistas Investigativos – você é um jornalista de ponta nessa área – e o que você acha desse tipo de organização. Se vale a pena, se é importante, em que pode melhorar…

Barcelos – Acho muito importante mas eu não participo. Eu nunca acho tempo para fazer militância ao lado do meu trabalho. Ali não é exatamente militância, mas precisa de organização, precisa de disciplina, precisa participar dos Congressos. Eles me convidaram gentilmente, algumas vezes… Não consegui, embora não participe da entidade. Imagina se participasse. Então não me sobra tempo. Eu adoraria escrever um outro livro, que tem uma apuração longa, já acumulada. Só acumula, lá. Acumulam os dados e eu não consigo escrever. Infelizmente eu não consigo ter outra atividade que não seja de ir pra rua todo dia atrás de alguma história.

Mas eu tenho uma preocupação com esse momento da imprensa brasileira. Não sei se você… O que você acha do que eu vou te falar: me parece que muitas das acusações que fazem à imprensa estão sendo baseadas em declarações de uma determinada fonte. Evidentemente que boa parte dos que faz… Dos que fazem esse tipo de é, é jornalista muito criterioso e tem cuidado antes de divulgar. Mas há colegas que já divulgam sem sequer checar o outro lado. Sem sequer fazer uma apuração mínima antes de saber se há procedência, ou não, na acusação. Sabe por que que me preocupa isso? Porque eu lembro de um episódio semelhante, a gente falava também, assim, que o jornalismo estava vivendo um momento muito interessante, muito, muito inquietante, inclusive, porque levou ao impeachment do presidente Collor. Foi uma iniciativa também, ali, da imprensa. Mas eu acho, também, que foi uma iniciativa que nasceu do jornalismo declaratório, não é? Foi o irmão dele que fez aquela denúncia… O que aconteceu com o nosso presidente? Ele foi punido politicamente. Sofreu o impeachment. Na Justiça ele não foi punido. Por que que não foi punido na Justiça? Por que a Justiça é venal? Não sei… Ou será que a gente não investigou tão seriamente como poderia e não levou uma prova mais contundente para a Justiça avaliar? Nós, da imprensa, o Ministério Público, etc., etc.

Vou te devolver a pergunta dessa maneira. Você concorda comigo, discorda?

Cantanhêde – Posso falar?

Barcelos – Pode, lógico.

Cantanhêde – Olha, eeee… Vamos pensar o seguinte: não é só declaração, né. Como é que foi a história do Palocci? Os nossos jornalistas, lá na Folha de São Paulo, ficaram dois meses trabalhando naquilo. Eeee… Um deles obteve informação de que Palocci tinha comprado um apartamento de quase sete milhões de reais – o que não é pueril, né, e não é uma declaração, mas um fato. O repórter foi duas vezes a São Paulo, foi lá no local. Depois descobriu que o apartamento tava no nome de uma empresa. Foi lá, descobriu que a empresa não tinha placa, não tinha secretária, não tinha coisa nenhuma, e que, ahnn, o Palocci, na verdade, no ano eleitoral em que ele era o homem-chave da campanha da presidente Dilma Rousseff – era, enfim, uma figura-chave do PT –, ele, simplesmente, ganhou… Aumentou o patrimônio dele acho que em 80%… Uma coisa assim, eu não me lembro mais os detalhes. Mas isso não é declaração, Caco. Isso é um trabalho de investigação que durou dois meses e envolveu muita gente, envolveu viagens, apuração… Tanto que…

Barcelos – Eliane, você falou do Palocci…

Cantanhêde – O Palocci falou, na Globo, eeee… Teve um espaço enorme para se defender e não se defendeu.

Barcelos – Bem, agora, Palocci é um exemplo, mas todo dia são uma meia dúzia de exemplos… Você falou um exemplo onde seus colegas apuraram bastante. Mas você concorda que há muitas… ahn, ahn.. denúncias feitas, inclusive, ao vivo! Imagine se você está ao vivo… Que critério você tem de checagem, se você está ao vivo na internet, no rádio, na televisão? Isso está acontecendo hoje. Tem iniciativas muito sérias, importantes e conseqüentes. Mas, ao lado disso, me parece que denúncias preocupantes.

Felizmente, acho que a maior parte do que está se falando, está se comprovando verdade. Mas, na seqüência, é aí sim da investigação. Mas o início sempre começa com declarações contundentes, envolvendo o nome de muita gente, muita gente que acaba sendo punida e muita gente que não tinha nada que ver com a história, mas, na pressa da, da denúncia eu acho que a gente acaba cometendo algumas irresponsabilidades, me parece.

(…)

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Note o leitor do que Caco Barcelos está falando. Esse jornalismo que condena pessoas inocentes e acusa sem provas e sem checagem, muitas vezes destruindo vidas e reputações para sempre, está solto por aí. E isso acontece com profissionais renomados, em concessões públicas. Não sei vocês, mas acho que meu erro não foi tão grande assim, diante do exposto. Todavia, está reparado. Aqui não se mente.

Abaixo, o vídeo do programa