O fiasco do ato contra Lula em SP e a ojeriza do brasileiro à política
Claro que foi risível o fiasco dos 20 gatos pingados que foram à avenida Paulista no domingo para insultar o ex-presidente Lula e o PT. A quantidade de piadas possíveis sobre essa iniciativa ridícula é imensurável e está fazendo a festa de quem se indignou com aquela cretinice.
Todavia, à luz de recente ato público de apoio ao adiamento da posse do presidente Hugo Chávez, na Venezuela, o qual levou centenas de milhares, se não milhões às ruas, há que refletir sobre um fenômeno tipicamente brasileiro.
É mentira que o brasileiro não vai à rua. Vai, sim, só que apenas se for em causa própria.
Recentemente, perguntei a lideranças da CUT e do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) por que ainda não se mobilizaram pela causa da regulação da mídia, que defendem. Afinal, ao menos a central sindical já conseguiu pôr dezenas de milhares na rua.
Os movimentos sociais e os sindicatos que entendem quão prejudiciais são os oligopólios de comunicação me responderam que não existe “massa crítica” para gerar manifestações de rua por esse tema.
O próprio Movimento dos Sem Mídia, fundado aqui neste blog, já conseguiu pôr centenas de pessoas na rua contra o engajamento político da imprensa dita “isenta”, como no caso da manifestação da ONG em 2009 contra editorial da Folha de São Paulo que disse que a ditadura militar brasileira teria sido “branda”.
Contudo, manifestações de 500 pessoas ou mesmo de 20, 30 mil como as que a CUT já logrou organizar para reivindicar salários etc. seriam vistas como piadas em países como Venezuela, Bolívia, Equador, Argentina e outros países politizados.
Os raros exemplos de sucesso de manifestações públicas de massas no Brasil residem entre os homossexuais e os evangélicos, que arrastam milhões de pessoas para tais iniciativas.
Aliás, verdade seja dita, nos países politizados desta região até a direita consegue pôr gente na rua, haja vista recente manifestação contra o governo na Argentina ou as marchas da oposição venezuelana menores do que as do chavismo, sim, mas, ainda assim, gigantescas.
O que acontece com o nosso povo? Por que somos tão engajados em causas de interesse de todos apenas na internet, mas sempre arrumamos um “compromisso de última hora” quando somos convocados a ir à rua defender aquilo em que acreditamos?
Os retardados que convocaram a manifestação contra Lula somaram quase duas mil pessoas no Facebook, mas a desculpa deles para não terem ido à avenida Paulista dizerem seus insultos contra o ex-presidente foi a de que “estava chovendo”…
No mesmo dia do ato dos “cansados” paulistanos, entre 300 mil (segundo a polícia) e 800 mil (segundo os manifestantes) foram à rua em Paris para protestar contra o “casamento” gay. A França, aliás, a exemplo de vários outros países europeus é palco constante de manifestações enormes.
Ir à rua protestar ou reivindicar, portanto, não é coisa de país subdesenvolvido. Muito pelo contrário, denota a preocupação dos povos em transformar retórica em ações.
Seja contra Lula, seja contra mídia, seja pelo que for – até mesmo por reivindicações que beneficiem os manifestantes –, o brasileiro demonstra comodismo e covardia.
Em 2011, a grande mídia tentou pôr gente na rua para protestar contra Lula, o PT e o governo Dilma. Impérios de comunicação martelaram convocações diuturnamente e colheram mais fiascos.
Os poucos que os grandes meios de comunicação conseguiram mobilizar, mobilizaram-se porque tais meios financiaram transporte, lanches e até pagamentos em dinheiro. Fui a algumas dessas manifestações e descobri que muitos nem sabiam por que estavam lá.
Já tentaram explicar essa apatia do brasileiro devido à ditadura, que teria atemorizado o nosso povo em relação a se mobilizar por causas políticas. É bobagem. A Argentina viveu uma ditadura mais sangrenta do que a brasileira e aquele povo se mobiliza o tempo todo.
A explicação me parece ser ojeriza do nosso povo à política. As manifestações se tornam ainda mais inviáveis quando convocadas sob tal mote.
A direita midiática, ao longo da segunda metade do século XX, trabalhou duro para gerar essa visão deturpada do povo sobre política. Nesse processo, porém, não atingiu somente a esquerda, mas a ela mesma. Hoje, aliás, a direita consegue mobilizar ainda menos gente do que a esquerda.
Esta, porém, tem instrumentos para sobrepujar a direita em mobilizações populares. Os movimentos sociais e os sindicatos estão quase que cem por cento no lado esquerdo do espectro político. Nesse ponto, surge o segundo grande inimigo da mobilização cidadã.
O comodismo explica por que pessoas politizadas e conscientes resistem a ir à rua expor suas demandas, apoios e repúdios. Esse, portanto, é o grande inimigo que é preciso combater a fim de pôr na agenda do país causa tão urgente quanto a democratização da comunicação.
Venho dizendo isso desde 2007, quando, neste blog, propus o primeiro ato público do Movimento dos Sem Mídia diante da Folha de São Paulo, que, surpreendentemente, reuniu quase 300 pessoas: ninguém muda um país sentado diante de um computador.