A chance de a denúncia contra a Globo dar em alguma coisa
Na última terça-feira, a Procuradoria da República do Distrito Federal (PR-DF) confirmou instauração de apuração criminal “preliminar” de suspeitas de sonegação e outros crimes que teriam sido praticados pela Rede Globo, após denúncia de 17 movimentos sociais, tais como o Centro de Estudos das Mídias Alternativas Barão de Itararé, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC).
A denúncia dos movimentos busca obter da Procuradoria o entendimento de que as manobras utilizadas pela Globo ao efetuar o pagamento dos direitos de transmissão da Copa do Mundo de 2002 não se constituíram, tão-somente, em crime tributário, que se elide com o pagamento dos impostos devidos, mas, também, o entendimento de que tais manobras configuram crimes contra o sistema financeiro nacional e contra a administração pública, com toda a tipificação penal que tal prática encerra, e que, em sendo esses crimes confirmados pela investigação em curso, gerariam condenação penal direta dos controladores (leia-se os três irmãos Marinho) das Organizações Globo – controladores esses que, ironicamente, deteriam o “DOMÍNIO DO FATO” da ação criminosa, caso seja comprovada.
Veja só você, leitor, como esta vida é “engraçada”…
A Globo alega que pagou as multas que lhe foram aplicadas pela Receita Federal em face da operação ilegal que essa empresa montou para fugir dos impostos milionários que passou a dever por conta de uma operação comercial de grande vulto. Havendo entendimento da Procuradoria do Distrito Federal de que tudo que a Globo fez foi cometer um crime tributário e tendo ocorrido de fato o pagamento dos tributos devidos, a situação estaria resolvida – para a Globo.
Como a corporação da família Marinho alega que pagou a multa e os tributos devidos aderindo a programa da Receita para recuperar dinheiro sonegado – uma brecha legal que recompensa sonegadores com impunidade –, a denúncia que a Procuradoria do DF acaba de acolher terá que resultar em seu entendimento final de que para cometer o crime tributário a empresa também cometeu crimes comuns, ou seja, crimes contra o sistema financeiro e as administrações diretas e indiretas. E até mesmo “estelionato”.
Se não houvesse uma grande atenção sobre o caso por parte dos setores politizados da sociedade e até por parte da grande mídia – o Grupo Folha, à exceção de qualquer outro grande meio de comunicação, tem repercutido o caso e, na última terça-feira, seu portal UOL noticiou o acolhimento, pela Procuradoria do DF, da denúncia dos movimentos sociais –, o fim desse caso seria o mesmo que ele teve há cerca de seis anos, quando acabou engavetado.
Portanto, para que o Ministério Público do Distrito Federal não faça como o do Rio de Janeiro e “esqueça” o caso, ou apresente a conclusão de que não houve crime algum além do crime tributário, terá que haver acompanhamento direto de algum Poder da República que, de preferência, não seja o Judiciário. No cenário ideal, o Ministério da Justiça teria que acompanhar a conduta do MPF-DF.
Tendo consultado fonte da Cúpula do Poder Judiciário, o Blog apurou que só os elementos acima elencados seriam insuficientes para gerar uma ação penal contra a Globo. A tendência seria o Ministério Público do Distrito Federal, ao fim do prazo que tem para apresentar conclusões – 90 dias, prorrogáveis por mais 90 –, devolver o processo ao do Rio de Janeiro, onde a denúncia, mesmo que resultasse em ação penal, acabaria dando em nada, pois a força da Globo no Judiciário fluminense é largamente conhecida.
Todavia, há um complicador – para a Globo – nessa história toda. Um complicador que tem potencial cataclísmico, para dizer o mínimo. Esse “complicador” é a servidora da Receita que sumiu com o processo contra a empresa da família Marinho e que protagonizou uma história com lances de bangue-bangue durante o roubo da documentação.
A servidora da Receita Cristina Maris Meinick Ribeiro está respondendo criminalmente por ter roubado três volumes do processo da autuação contra a Rede Globo determinada pela delegacia da Receita em 2007. Durante esses seis anos – de 2007 para cá – as autoridades competentes não se interessaram em investigar por que essa senhora fez isso. Por que sumir com o processo da Globo? Alguém por certo encomendou o “serviço”. Quem poderia ser?
Aí entra a boa e velha “TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO”. Ou seja: se o Ministério Público for coerente, terá que usar nesse caso o mesmo critério que usou para acusar José Dirceu pelo mensalão. Só que, em vez de Dirceu, os acusados seriam os três filhos de Roberto Marinho – que, segundo o Paulo Henrique Amorim, não têm nomes próprios.
Contudo, para que esse fenômeno possa ocorrer terá que haver o que não houve, por exemplo, em relação a investigado muito menos poderoso do que a Globo, o PSDB “mineiro”, cujo “mensalão” dormita nos escaninhos da Justiça durante anos a fio.
A pergunta de seiscentos milhões de reais, portanto, é: se a Justiça protege até um partido político de oposição ao governo federal – que, portanto, não detém o Poder de Estado –, o que a faria incomodar quem comanda esse e outros partidos e que não se cansa de provar que tem um poder que se sobrepõe a qualquer outro no país?
Note-se que a servidora que roubou o processo da Globo, a Tal Cristina Maris Meinick Ribeiro, pode ser considerada ganhadora do que podemos chamar de “loteria judicial”. Isso porque conseguiu o que só um em cada milhão de brasileiros consegue. Sua prisão preventiva – decretada por suspeita de que poderia interferir nas investigações – foi relaxada por habeas corpus concedido pelo Supremo Tribunal Federal, por decisão monocrática do ministro Gilmar Mendes.
Quem é advogado sabe quantos brasileiros conseguem um habeas corpus determinado pelo STF. E sabe que quem consegue pode ser considerado como ganhador de uma loteria, de tão raro que é lograr tal feito.
Quem é essa mulher que rouba um processo contra uma empresa que afirma não conhecê-la e que consegue tal deferência da Justiça para si? Ou quem está por trás dela?
O caso contra a Globo, segundo minha fonte na cúpula do Judiciário, é fortíssimo. As evidências de que a empresa pode ter praticado toda sorte de crimes, avolumam-se. Entretanto, caso tudo termine em pizza não terá sido a primeira vez em que a Justiça brasileira terá dado fuga a um criminoso detentor de grande poder econômico. E sendo detentor, também, de grande poder político – a bancada da Globo é a maior do Congresso Nacional –, a esperança de justiça diminui muito.
Só quem poderia fazer esse caso ser investigado e julgado com seriedade seria o Poder Executivo. Ou, no limite do otimismo, o Poder Legislativo – esqueçamos o Poder Judiciário. Mas é possível acreditar que o governo federal venha a exigir justiça em um momento político em que se vê tão debilitado?
A reação da Globo por certo seria a maior já vista desde que o PT chegou ao poder. Um grande escândalo contra o governo Dilma seria criado, mesmo sem base, de forma a incentivar novos protestos de rua, agora com causa, ou seja, “contra a corrupção” – mesmo, repito, que a denúncia não passasse de vento, pois o que iria pesar seria o bombardeio.
Só o que pode interferir em previsões tão embasadas no que se sabe sobre como os poderosos (política e economicamente) pairam acima das leis e das instituições seria surgirem, por exemplo, mais vazamentos, com informações mais claras sobre a motivação da servidora da Receita supracitada.
Novas informações sobre o que levou a tal servidora a roubar processo que prejudicava a Globo, que tem o “domínio do fato”, podem surgir, vá lá, por ação da investigação da Procuradoria do Distrito Federal, recém-instalada, mas, se surgirem mesmo, o mais provável é que seja por iniciativas independentes como as que fizeram esse caso explodir após ter ficado congelado por tantos anos. Caso contrário, tudo terminará em pizza.