Só as ruas podem pôr fim à máfia tucano-midiática de São Paulo
O filme já se tornou velho. Ao longo da década passada, escândalos envolvendo o governo tucano do Estado de São Paulo explodiram várias vezes na internet e durante semanas e até meses a grande imprensa, o Judiciário e o Legislativo paulistas fingiram que não viram mesmo nos casos em que tais escândalos, no exterior, rendiam capas e capas de jornais e revistas.
O caso Alstom, por exemplo, explodiu em 2008. Houve denúncias de pagamentos de propina pela empresa francesa Alstom a políticos do PSDB. As denúncias eram feitas sistematicamente por órgãos de imprensa estrangeiros como Wall Street Journal e Der Spiegel, mas, no Brasil, ficavam restritas à internet até que não fosse mais possível segurar.
Meses após o surgimento da denúncia, a imprensa paulista soltou algumas matérias de modo absolutamente episódico, sem martelar como faz quando a denúncia é contra o PT, que, por sua vez, sempre pede CPI na Assembleia Legislativa de São Paulo para investigar a profusão de escândalos tucanos e nunca consegue por não ter deputados estaduais em número suficiente.
Agora, surge a autodenúncia da empresa alemã Siemens de que corrompeu os governos Mario Covas, Geraldo Alckmin e José Serra. Exatamente da mesma forma que a francesa Alstom. E, como naquele caso, tucanos voltam a debitar as denúncias da própria roubalheira ao PT, como se este pudesse obrigar duas grandes transnacionais de dois países diferentes e grandes órgãos de imprensa de alcance mundial a envolverem o PSDB em denúncias falsas de corrupção.
É longa a lista de escândalos envolvendo o PSDB que jamais foram investigados até o fim tanto por leniência do Ministério Público de São Paulo quanto da Justiça e da grande imprensa local, que segura o quanto pode denúncias como essa da Siemens, que, mais uma vez, demorou semanas para chegar a grandes jornais, revistas e televisão apesar da forte repercussão na internet.
O esquema de corrupção no metrô de São Paulo foi denunciado pela primeira vez em 2008 pelo jornal norte-americano The Wall Street Journal. A matéria revelou investigação conduzida pela polícia suíça acerca de pagamento de propinas estimadas em 6,8 milhões de dólares pela francesa Alstom a funcionários do governo paulista a fim de obter contrato de 45 milhões de reais para fornecer equipamentos utilizados nas obras de expansão do metrô paulistano.
As polícias suíça e francesa repassaram às autoridades brasileiras uma lista com nomes de suspeitos de participar do esquema em diferentes países. Entre os acusados, um brasileiro. Ele teria negociado com a Alstom um contrato com o governo paulista em troca de “comissão” de 7,5%.
Naquele ano, a bancada do Partido dos Trabalhadores (PT) na Assembleia Legislativa paulista tentou abrir uma CPI por conta das informações das autoridades europeias sobre contratos julgados irregulares pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE), envolvendo a Alstom, o metrô, a CPTM e a Companhia Energética de São Paulo (CESP).
A maior parte daqueles contratos foi firmada nos governos Mário Covas e Geraldo Alckmin. No governo José Serra houve aditivos nos contratos com a Alstom para fornecimento de 22 trens, no valor de dois bilhões de reais (!!)
Para que se tenha uma ideia do tamanho do escândalo, um dos contratos entre a Alstom e o metrô foi mantido por dez anos a mais do que o estipulado inicialmente. Só um conselheiro do TCE votou a favor desse contrato: Robson Marinho, que foi ex-secretário da Casa Civil durante o governo Mário Covas e que fora assistir à Copa do Mundo na França em 1998 com despesas comprovadamente pagas pela francesa Alstom (!!).
As investigações foram sumariamente enterradas pela Justiça e pelo Legislativo paulistas. A CPI da Alstom, pedida pelo PT, foi suspensa pelo desembargador Armando Toledo, do Tribunal de Justiça de São Paulo. Na imprensa, silêncio.
O caso voltou episodicamente à imprensa em 2011. O portal R7 publicou reportagem sobre novas informações sigilosas fornecidas por testemunha anônima que teria acompanhado de perto os contratos entre o governo paulista e a Alstom. Entre as novidades, o envolvimento de uma outra multinacional europeia com o PSDB paulista, a alemã Siemens.
Como no caso envolvendo a empresa francesa 3 anos antes, ressurge acusação de pagamento de propinas a membros do governo paulista para a obtenção de contratos com o Metrô de São Paulo e com a CPTM. Agora, uma empresa alemã chega a confessar que corrompeu o governo do PSDB.
Mais uma vez, em 2011 tampouco houve investigação séria no Brasil. Como subproduto dessa licença para roubar concedida ao PSDB paulista, em Julho de 2013 explode novo escândalo. Desta vez, foi preciso o corruptor confessar que comprou autoridades do governo paulista para que saísse alguma coisa na imprensa local.
Apesar de cabeças estarem rolando na Siemens da Alemanha, com demissões e prisões e com confissões no Brasil por conta de um escândalo que envolve desvios de 425 milhões de reais, o assunto só chegou à grande imprensa brasileira na semana que finda.
Como de costume, os detalhes da roubalheira no governo de São Paulo denunciada por duas empresas distintas de dois países europeus distintos vão perdendo espaço na imprensa brasileira para acusação tucana contra o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), de que teria inventado tudo a mando do PT (o órgão é controlado pelo governo federal).
Essa extensa rede de corrupção na administração pública do Estado de São Paulo, fenômeno que já dura quase duas décadas, tornou o metrô paulistano o mais lotado do mundo, com incidência frequente e crescente de pequenos acidentes que mais dia, menos dia produzirão um grande desastre, pois o sistema opera, há muito, acima de sua capacidade.
O metrô de São Paulo foi inaugurado em 1974 com apenas seis estações e extensão de 16,7 quilômetros. À época, a cidade tinha cerca de seis milhões de habitantes. Hoje, são cerca de onze milhões enquanto que a rede de metrô possui 74,3 quilômetros – a menor do mundo para uma cidade de grande porte.
O conceito internacional sobre lotação aceitável – porém não ideal – de trens de metrô e de subúrbio é de seis passageiros por metro quadrado; o metrô de São Paulo tem hoje nas suas três principais linhas – que atraem quase 80% dos passageiros do sistema – lotação entre 7 e 8 passageiros por metro quadrado. E, nos trens de subúrbio, a situação é bem pior.
Em uma época em que a tragédia em que se converteu a mobilidade urbana em São Paulo levou dezenas de milhares de paulistanos à rua para protestar contra o preço das passagens no transporte público, não se entende por que aqueles protestos não se deram por conta de toda essa roubalheira do governo do Estado que tornou tão dura a vida das pessoas independentemente de classe social, pois o transporte precário da cidade afeta até quem anda de carro, poupando só uma minoria infinitesimal que fez dessa mesma cidade a campeã mundial em frota de helicópteros.
O surgimento das denúncias da Siemens, porém, acordou o movimento social que conseguiu pôr bastante gente na rua para fazer um protesto ridículo pela redução de vinte centavos nas tarifas de ônibus e metrô enquanto centenas de milhões de reais que poderiam tornar o transporte melhor são roubados escandalosamente sem que ninguém seja responsabilizado.
Se a energia despendida inutilmente para transferir o custo dos vinte centavos a menos nas passagens para os impostos que o paulistano paga for usada para exigir investigações sérias contra um esquema mafioso para o qual os cidadãos afetados não dão bola, a máfia tucana pode finalmente pagar pelos seus crimes ao longo dos últimos vinte anos.
No próximo dia 14 de agosto, o Movimento Passe Livre promete fazer um protesto contra essa barbárie que vige na maior cidade do país. É um protesto que não interessa apenas aos paulistanos, mas a todo o país. Se CPI e outras investigações contra a máfia tucana forem finalmente abertas sob pressão das ruas, a eterna impunidade dela poderá chegar ao fim.